sábado, 31 de agosto de 2019

Saindo do armário

Crow é das antigas no meu face e, como a maioria, eu não sabia que Crow é poeta. Diz ela mesma que se assumir lésbica foi mais fácil do que se assumir escritora, vítima de um problema levantado na reportagem do post anterior: a ideia de que ser poeta é algo como um clube exclusivíssimo onde somente uns poucos letrados VIP conseguem adentrar.

Ela me mandou seu material poético sem pretensão de publicar aqui, queria saber minha opinião. Eu sou uma reles mortal. Uma reles mortal que lê muito, mas ainda assim uma reles mortal, quem sou eu para julgar o trabalho alheio?

Crow escreve há anos. Crow merece ser lida, como merecemos todos conhecer o trabalho dela. E aqui vos apresento alguns dos poemas que ela me mandou. Degustem.

Madrugada

Os saltos espalhados

O pulo
Não é do gato

É de êxtase
De uma alma que cria
Renega
Respira
E pouco se alivia

É a lebre em libido
Disparada em diáspora

Tonta ou perdida
Em tragédia assistida

Danço, ouço música

Me acalmo em água
Hipnose ou concentração

Tudo depende do estado de espírito
Desta minha euforia sofrida
Que pede alívio na escrita
No beijo e na escuridão

Hoje me vi apaixonada
Apressada e encantada

Hoje agradeço aos amigos
Que aquecem o tão esquecido sentido
Do amar e radiar luz
Brilho de uma partícula de Sol há muito esquecida

Que muitas vezes se fez substituída
Subestimando tanto a potência quanto a paixão

Com a qual leve, livra-se

E lê
Nos detalhes, a menina doce
Do sorriso maroto
E de alma imprudente
Que quer colo

E mordiscos

De uma apaixonada

E juntas
Se perdem

Na dança em praça pública
No choque de escrituras

Nos papéis finos
E ainda assim tão tão tão cruéis

Vermelho e vermelhidão
Hoje dançam valsa
Unindo o coração

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Entre rodas de cura, amor e perdão

Gritam conselhos, grita a sofreguidão

Trombam-se espíritos, desígnios e amoados percursos
Com cautela, com vitalidade
Com vontade, com esganação de si

Numa constante expressão
Do espremer

E expressa-se aqui
O eu, o si

Feito fumaça que tarda, que flutua em lentidão
Que confunde, inspira, aspira as devoções

Feito dança e magia, feito voz de perdão

Feito encontro com Deus, com o divino de si

Estou eu aqui, conspirada em mim
Condenada, abençoada, amordaçada ou somente atordoada
Escritora de mim

______________________________

Aquarelada

Descabida e refratada
Em luz, sombra

Pétalas de brisa
Que amacia

Toca a face
Em cheiro doce

Diana

Primeira da primavera
Já com um fardo muito espesso
Beleza e leveza
Em olhos que vão da ingenuidade à malícia
Como você me leva para a pista
Em rodopios

Um sussurro fácil e carinho bobo

Desvelando
Os talentos, os dotes
Teu atributo é o bote

De cobra
Que enforca, esmaga
Açoita para tirar o ar

Me deixa sem respirar

E eu flutuo
E voo
E fluo
E soo

Som
Engulido seco
Rasgante e ardente

Como bebida que desinibe
Resgata a coragem que nunca tivemos
Entre tantos e tantos covardes

E na penumbra
No abraço
Na dança e no encanto

No enlaço da presa
Na armadilha de seu predador
Viramos só
Solidão
Som

Carne na multidão

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Crow Luine é aquariana, visionária, sonhadora, uma tarada por gente, por grupos, por dinâmicas sociais e que também sofre dos dilemas e males que acometem a humanidade contemporânea. Ficou órfã muito cedo, de toda a sua família e frequentemente escreve sobre as dores, aprendizados, saudade e honra que foi viver esta história. Também descobriu, após a morte dos pais, que era adotada e não tem informação nenhuma sobre seus progenitores. Uma completa novela que não foi escrita por ela mas que se permite viver, protagonizar e dirigir, da maneira que pode.

É lésbica, sempre foi gorda, gamer e paranoica. Cria dois gatinhos e uma cachorra. Na carreira, seu coração sempre esteve na educação e na empatia. Formada em Pedagogia, pós-graduada em Psicodrama e também Hipnoterapia; hoje é terapeuta e educadora na Casa Intuição, espaço com a intenção de resgatar o verdadeiro sentir, genuíno e primitivo de cada um.

Sempre foi assumida em relação à sua sexualidade, que aflorou lá pelos seus 13 anos. Mas foi somente em 2019 que se assumiu também escritora e poeta, pelo menos para o mundo. Antes tinha vergonha e achava pretensioso se intitular como algo tão nobre. Ainda não tem nada publicado por editoras, mas quando tem paciência se esforça para sair do analfabetismo digital e posta suas trovoadas, poemas e textos nas redes sociais.  

~Maya

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