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quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Que se prove o contrário

Mônica Ribeiro, ou simplesmente Mô, vive em conflito consigo mesma sobre ser ou não escritora. Na verdade esse conflito não é exatamente incomum e atinge uma parcela grande de bons escritores. A contraposição é a infeliz realidade da gigantesca fatia de péssimos juntadores de letrinhas que não somente se dizem grandes escritores como se sentem dignos de um Nobel.

O fato é que Mô sofre de perfeccionismo agudo, um ponto extremo que a impede de reconhecer a qualidade do próprio trabalho. Então solto o meu veredito de resenhista, jornalista, leitora e escritora: Mô escreve, e escreve bem.

Agora é a vez de vocês conhecerem o trabalho dela. Mô é escritora até que se prove o contrário.

Ampulheta
quantos pontos
são necessários
para estancar
o sangue
de quem se corta
com os cacos
da ampulheta?
quantas pinças
são necessárias
para tirar
do sangue
a areia do tempo
que escapou
da ampulheta quebrada?
quantos anos
sofridos
são necessários
para que não se quebre
a ampulheta?
a ampulheta
é por si
torta, trincada
mal lacrada, vazada.
________________________

Eu chovi

mas já passou.
Ainda não atingi o
índice pluviométrico do
descanso mental.
_________________________

Fotogênesis
A minha fotografia mente
o meu olhar.
Não há as corrugas
do chapisco,
nem sequer a cor que vejo
dos riscos que contam
da chuva que choveu.
Não há fidelidade
na oxidação fotografada.
A câmera não mostra o ar que
belamente
pintou sardas no metal
que parece o telhado
sustentar.
Será?
Será que sustenta?
Os verdumes?
Deles nem falo.
Minha fotografia?
É mentira pro meu olhar.
Talvez um dia eu possa aprender
A fotogenar.
Já que não sei fotografar
uma nuvem gigante traça um plano cinza-escuro no céu.
acima, o breu e a lua:
ela adornada com seu halo também plúmbeo
ela partida ao meio.
algumas estrelas
. talvez mortas, para mim vivas .
fazem a escolta
falsa imóvel.
a terra gira
mas tudo parece parado.
apenas meus cabelos e as plantas e minha saia provam
que o ar hoje quis correr.
sob o pseudônimo vento
ele canta
com seu timbre indefinível.
________________________________

Mônica Ribeiro é mineira, perfeccionista e vive em constante batalha contra si mesma nesse mundo insano que nos convence o tempo todo que os doentes somos nós.

~Maya

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sábado, 26 de outubro de 2019

De volta à casa

Milhares de pessoas por esse imenso Brasil tão diverso escondem em gavetas e HD's pequenas obras-primas que se recusam entregar ao mundo sabe-se por qual motivo. É nossa obrigação respeitar o direito de cada um de se manter oculto na multidão, não há dúvida, mas a literatura cresce quando esses pequenos tesouros são revelados.

É por essa razão (também) que o Bibliofilia existe: você não precisa ter pretensões literárias gigantescas, não precisa correr atrás de editora, cobiçar grandes prêmios, calcular direitos autorais, mas nada te impede de presentar o mundo com o seu talento.

Digo isso porque vemos prateleiras abarrotadas de livros de qualidade duvidável nas livrarias que revelam egos infladíssimos de autores medíocres (e sim, claro, vemos um sem número de grandes obras e excelentes autores. Calma, autor publicado, não é necessariamente de você que estou falando), ao mesmo tempo que vemos gente extraordinária escondida por aí, ou por falta de oportunidade, ou por desejo de anonimado ou por um desejo de anonimato fabricado pela desilusão de uma carreira bem sucedida.

Não sei em qual dessas categorias Carlos Figueiredo se encaixa, mas sei que ele é um desses que temos que puxar pela mão e levar até o público para que nos honre com seus escritos. Por isso é uma alegria imensa trazer ao Bibliofilia Cotidiana, mais uma vez, o trabalho de Carlos. Dessa vez, apresento a vocês 6 poemas do autor sob curadoria de sua esposa, a poeta Mell Renault.

Deliciem-se!

Esqueleto

Trago nos ossos
um cálcio lilás
e mais
a primavera que me agita.
Trago nos ossos
o cálcio dos inquietos
e na garganta
um inseto que me limita.
Trago nos ossos
o cálcio dos indigentes
e a fratura exposta
que me habita.
Trago nos ossos
o cálcio dos confusos
e o pecado
da minha alma aflita.
Trago nos ossos
o cálcio dos mortos
e um silêncio escuro
que me irrita.

 ______________________ 

Confessionário

O limo devora o muro
cada viga e todo osso.
Confesso segredos
no fosso do cimento
- palavras claras -
meu mais puro lamento
esse
sei que fica
não na alma pálida
do muro
e sim
na arte lenta
desse limo.
  
_______________________

Caminhada

Revela tudo a ruga
até chegar o barro
carvão
entrar na caverna
saber do osso
da pele
e da pedra
sabão.
Esconder o espírito
fugir
da mente
flores mortas
de uma outra estação.
Beber tambores
para derramar na fonte
da garganta eterna,
bater caminhos
longe das dores
e do gosto estranho
de cores banais.
E nunca
- nunca mais -
saber voltar.

________________________

Asilo

Corrompe rugas
minha cara
torturada de grisalho
na poeira do armário
- no ranger da porta -
nivelado no calço
puído
da memória
morta.

________________________ 


Animal

À margem do sono
lobo na alma
corro sem corpo
louco
caçando calma.

________________________ 

  
Ciclo

Todo homem é eterno
não do pó ao pó
mas do ventre ao verme.
Renascerá parasita
e rastejará
para roer outras peles.
Até que mil vermes fartos
- sua prole -
se aglomere
e gere novos partos.

_____________________________________________

Vamos querer mais de Carlos Figueiredo por aqui no futuro?
Vamos. Vamos sim. E como vamos.

________________________________________

Carlos Figueiredo é escritor. Carioca, tem 50 anos, cinco filhos e é casado com a escritora Mell Renault. Com formação em cinema e fotografia, dirige atualmente uma produtora de book trailer. Nas artes plásticas pinta telas e ilustra livros.

~Maya


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segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Lirismo

Ontem era dia de resenha, mas a correria dos últimos dias impediu a finalização da leitura e me forçou a uma quebra dos meus prazos auto-estipulados e cobrados por absolutamente ninguém. Mesmo assim me vejo corroer em culpa pela quebra de um ciclo que vinha funcionando com perfeição nos últimos três meses.

Cansada, doente, preocupada com o público do blog, abri os e-mails onde recebo material dos autores que querem figurar nesse espaço e fui ao material de Rafael Mendes. Não era dia de publicação de autores, mas ontem era dia de resenha e não deu, fazer o que?

Nessas horas é que o destino gosta de nos dar boas surpresas, penso eu, porque abri o material do Rafael e me deparei com versos que me abraçaram a alma. Uma mistura fascinante de doçura e revolta, desde escancarar a cafonice de uma rima pobre a preferir a rima pobre à necessidade da denúncia sobre a realidade em que vivemos.

Rafael tem um toque visceral em sua suavidade que muito me agrada. Foi um presente, para um dia como hoje, selecionar poemas de Rafael para esse espaço.


amor & dor

quantas vezes já se rimou amor e dor? a rima,
ainda que pobre de criatividade, enquanto afirmação,
ergue questionamento ou dúvida? desde a juventude
a humanidade debate a aspereza do amor.
tornou-se mais calmo como o lusco-fusco no verão,
ou ainda resultou inútil, carrega o mundo nas costas?
ainda existe amor, dor, pernas cansadas,
desvario da perda. ainda capazes de amar,
num tempo que exala ódio e barbárie.
existem heróis ou somos todos párias da passividade
diante da revolta e do amor — é tempo de silêncio.
haja amor, haja ação, a despeito do banquete
tosco cuspido das urnas, das fezes. antes rimar
amor e dor que vibrar diante da morte do irmão,
antes um rima gasta que cálice de sangue e cortes.
o amor, rio ganges maculado — ainda sagrado.
não cantaremos o medo, cabem ainda notas de amor.
_____________________________

quarenta e nove

i
teus olhos verdes, meu pai
marcados por desesperança
e resignação dos fortes

diversos solavancos da vida
passaram primeiro por teus
olhos verdes, meu pai

haveria de ser verde
o filtro de tua esperança

ii

não nasci com pepitas de turmalina
penduradas nas cavidades de minha face

aprendi, ao olhar teus olhos, que o verde
transmuta entre a vida e a morte
________________________________

a sauna

pior do que a ausência do amor, a memória do amor - lygia fagundes telles

nem uma vez mostrou-me seus olhos de desejo adormecido,
nas suas costas não descansei meus lábios, não anotei o compasso de
suas falanges, seu umbigo não escondeu meus presságios de morte

quando apareceu como sonho, devaneio e embriaguez,
não foi nada mais que um pequeno aviso na parede opaca,
"o quadro está em restauração, desculpe-nos pelo transtorno";,
o espaço quase todo preenchido por obras de van gogh, tarsila, basquiat,
e meu olhar fixo e perdido na ausência de sua materialidade

me desfiz dos diários com nossos planos, das gravuras onde talhei nossos pecados,
dos jasmins que plantou no parapeito da alcova, dos temperos trazidos da índia
e do amazonas, livrei-me até do busto de santo antônio

os médicos todos exconjuraram os requerimentos escritos sob
a regência de uma febre lancinante — pedia o brilho opaco da amnésia, o desvario
libertador dos loucos. embarquei em barafundas propositais e inadvertidas,
vesti-me de quixote, viajei até as ilhas de crusoe, sorvi o caldo espesso
das vísceras de macunaíma, naufraguei naus de colombo

sempre a lembrança cintilante de nosso amor, que bem pode ter sido
alucinação e cansaço da quarta-feira de cinzas
_____________________________________

Rafael Mendes foi criado entre São Paulo e Franco da Rocha, entre a cidade e o quase interior. Reside em Dublin desde 2016. em 2018 veio sua primeira coletânea “um ensaio sobre o belo e o caos”, lançado na Europa pela editora urutau. Em outubro de 2019, terá poemas publicados na antologia “writing home: the new irish poets”, pela Dedalus Press na Irlanda. Seus poemas já foram publicados pela revista Ruído Manifesto, Revista Gueto, Literatura & Fechadura, entre outras além de rádios e saraus na irlanda.

~Maya

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segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Pela dor

Talvez seja o caso de um estudo mais profundo, embasado, mas a poesia parece galgada sobre três pilares centrais: a ode, o amor e a dor. E a rima de amor com dor que nos acompanha desde os tempos pré-púberes.

Tem poesias cuja contundência das palavras de ordem ou a imagética do caos nos transmite a dor do tema tratado. Ou o tesão, dependendo do poeta. Tem outros que, com a simplicidade de uma folha ao vento, carregam todo o sentimento do mundo em um único verso.

E tá cheio de gente fazendo isso de forma subliminar entre palavras bonitas e um aperto no peito que vem sem a gente, o leitor desavisado, sequer perceber.

A beleza da poesia está justamente em nos tocar profundamente sem a gente sequer perceber de fato o que está acontecendo.

Conheçam agora o trabalho de Lucas Luis da Silva:

FUGIDIO
Marco-me à ferro, ferradura.
Marco-me como são marcados
os animais distraídos:
ausente de eternidade.
A cabra-burra pávida
pela altura.
Marco-me ao chão, 
cabeça-baixa,
discernindo esquinas.
Quem em sã-consciência
orbita o céu sem refletir
todo seu azul-piscina?
________________________________

CULT
as mensagens de Delfos
insurgem criptografadas
pela pitonisa digital:
devorar-se beats
um título marginal
ei-lo o culto 
código de barras
na poesia pós-m.
_______________________________

BOA-NOVA
A cada um cabe sua visão de paraíso.
O Éden particular inserido ao cerne.

Rompido os versos bonitinhos
& as rimas piegas,
nenhum livro histórico herdará 
meu nome com destaque.

Amor & dor não mais siameses. 

Acumulo palavras, e serão elas,
Ozymandias, o testemunho
da minha essência,
essa decadência 
imanente.
__________________________________

RUÍDO
Algumas vezes afirmaram-me ser diferente
o verso agasalhado em minha linha.
Por desconhecer reações tomo o elogio 
em mãos como um peixe.

Sonho a beleza incômoda 
de bastar-me miúdo.

Mas não sem antes desabarem sobre mim 
todas as pragas egípcias: que valor terão 
esses pobres traços em décadas?
Serei poeta apenas com a palavra
talhada em insuficiência?
Que definirá esse ruído em meio 
os ecos de Hesíodo produzidos 
aos baldes?

Nada sou que não sejam outros milhares. 
Outros melhores.

Eu homem não-título investindo
contra vida à qual sigo 
estrangeiro.

__________________________________

Lucas Luiz  nasceu em Guararema no ano de 1991. Continua em pé, embora carregue a sequela da invisibilidade. Iniciou publicando crônicas no “Jornal D’Guararema” e depois poemas no site de variedades “Guararema Tem”. Redator do programa "Guararema Online" da Produz Áudio&Vídeo. Recentemente colaborou com as Revistas Literárias: Avessa, Inversos, LiteraLivre, Ser Esta, A Bacana, Subversa e Mallarmargens. Também com uma participação na Antologia “Além do céu, além da terra” da Editora Chiado. Segue sem exceder os limites do município. Ou já o fez sem que ninguém perceba.

~Maya
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quinta-feira, 26 de setembro de 2019

De palavras e vozes - o talento de Arthur

Conheci Arthur na praça central da cidade em uma ação pelo dia da poesia, no início do ano. Apesar da altura e da imponência, Arthur ainda é um garoto. Quando ele me enviou sua biografia, brincamos com o fato de que ele nasceu no meu segundo ano da primeira graduação. Coincidentemente, Arthur prestigiou a apresentação do meu TCC na segunda graduação.

Sem nenhuma publicação (ainda), Arthur já impressiona pelo currículo, pela participação ativa em eventos e iniciativas culturais e por ser membro e um dos idealizadores do Coletivo Cerco Arte - Ser com Arte, um grupo de jovens escritores engajado na causa cultural, falei deles aqui.

Entretanto, além do trabalho poético e do engajamento em políticas culturais, o jovem Arthur também é um declamador de primeira categoria. Já solicitei que ele me enviasse uma declamação em vídeo para enriquecer ainda mais o conteúdo do blog, espero que ele o faça rápido (isso é uma intimação, Arthur!).

Enquanto suas declamações ainda não estão disponíveis para o público Bibliofilia, ficamos com um de seus poemas, escolhido por ele mesmo. Boa leitura!

cânticos abstratos para um amor inominável

I
Evoco teu nome
cometa de carne humana
me leva para as estrelas
me foge de tudo
me deseja com teus lábios cadentes
só corre
não olha para trás
vamos morrer no espaço
abraçados
longe de tudo
pertinho do planeta a-marte
combustão sideral
amor galáctico e molhado
ciência da nossa indecência
clemência
universo-paixão

II
como me fere
as unhas compridas
ferinas da palavra desamor
ex-amor
nunca amor
por tanto que ardo
venero
idolatro essa figura
noturna
mistério
baú
manhã cinza
sândalo da minha narina
que é meu medo também
faca
babaca
esse sentimento
de acabar te afastando
matando meu mundano
por tanto te querer


III
lua
quem me dera a pele fosse nua
sem pudor
crua
amizade não fosse desculpa pra não beijar
amar sem receios
abaixo pesadelos
olhos
preconceitos
tomar pedaços de escuro
no escuro
ou na luz do dia
vadia
se eu gritasse mais
falasse sem dó
seria tão feliz
tão livre
cantando ao sol lá si
e a lua safada como riria
por estar sem roupa
e não dar a mínima

IV
ama
ama-me
amor
amante
amado
amando
amém

V
socorro
meu maior medo
a flor vai morrer
secar na primavera
quanto mais passam os dias
mais longe de mim
menos vida
menos espera
chega a tempestade
caminhando em linha torta
em rota de cravos engomados
desalinhada
tosca
espinhenta
sem o mesmo cuidado
nenhum coração
aa
socorro
a luz vai sufocar
o amor vai acabar
fotossíntesereversa
teu fogo apaga
e o meu só cresce
mais
mais

VI
quero beber hidromel
leite condensado
beijar ardente
e vodka
veneno
que tal
não deve fazer tão mal
para quem já está bêbado assim
de vida
de prazer
como me dói em dizer
que guardo tudo isso comigo
tudo
toda essa vontade
todo esse desejo que tenho de você
por quê
porque mundo
por quê

VII
uma vez uma estrelinha
pousou na minha cabeceira
que coceira que me deu
ela me contou
de um mundo mais contente
que toda gente era feita de biscoito
chiclete
bala
não tinham cor, nem sexo e nem cara
por isso sabiam o que era amar
perguntei que terra era essa
se era distante
achava que era
mas não era
ficava escondida no fundo
profundo
mundo submundo do meu coração

VIII
nunca pensei que gostaria do espelho
me espelhando em alguém
que gostaria de tocar nesse espelho
afagando a mim também
quem sou
quem é aquele que quer quem
te quero bem
demais
meu amor de espelho que só os cegos veem
sem dono
sem reflexo
só meu de mais ninguém
como eu te amo
meu eu em outro alguém

IX
nome de arcanjo
pelos negros do diabo
se estou apaixonado não tenho mais volta
quero dar meu fogo
arrancar todo céu
profanar o arcanjo bebendo samael
as palavras são fortes
porque sinto e não posso sentir
testemunho de enxofre
monólogo satã
perdão pelo egoísmo
meu amor que exorcizo sem nunca querer

X
paixão
quero dar um beijo
sair correndo
voando pelas nuvens uma a uma
pluft
vulp
só pra ver a reação
sentir gosto doce
glicose
boca de algodão
macia
mia
essência chupa-cabra
mais chupa
menos cabra
macabra
desculpa perguntar
mas esse açúcar
é só em cima
ou embaixo também

XI
entra
seja bem-vindo ao sonho
disforme
aquoso
banheira de espuma com sais
encontro de cabeças
peles encostadas
fala baixa
assanhada
carícias
sussurrando
devagar
calma
mais devagar
sem pressa pra acabar
sorriso de vez em quando
leve malicia
nossa
estou sonhando
delírio
apenas sonhando e nada mais
maldição

XII
sim
abandono meu mar
sufoco a vela
mas não desnudo nunca a alma
por ser taurino
ascendente em gêmeos
meio feminino
por tanto querer na cama um "me ama"
amor irracional
essência animal
sem tempo a perder
faço
cada traço
teu braço
amo loucamente
sou mesmo demente
vulcão-carente
por você seco o mar e morro de sede
apago a vela e fico nas trevas
agora a alma eu não largo
por ser tudo que tenho e quase ninguém

_______________________

Arthur Campagnolo Della Giustina, nascido em Caxias do Sul – RS no ano de 2001, é cronista, poeta, ativista e músico caxiense. Possui participações em antologias, portais de notícias e revistas digitais pelo Brasil. Membro do Movimento Aldravianista Caxiense. Atua como trovador e Vice-Presidente de Cultura da UBT – Seção Caxias do Sul na gestão 2019/2020. Responsável pela organização de eventos e diversos projetos de caráter litero-cultural no município. Idealizador da SGJE - Sociedade Gaúcha de Jovens Escritores no ano de 2019. Membro-fundador dos coletivos "Grupo Sabiá" e "Cerco Arte - Ser com Arte", que têm por objetivo criar, fomentar e valorizar um diálogo constante entre os diversos segmentos culturais na sociedade em que estão inseridos. Acadêmico Correspondente na cadeira n°2 da Academia de Letras Machado de Assis (ALMA) em Porto Alegre. Premiado em diversos concursos literários, indicado no ano de 2019 ao Troféu Machado de Assis por "Expressão Literária" em Itabira, Minas Gerais.

~Maya


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sexta-feira, 20 de setembro de 2019

O som do silêncio

Eu não lembro quando conheci Augusto. Minha memória não é lá essas coisas, mas sei que conheço Augusto há muito tempo. Ele se faz frequentemente presente na minha trajetória como escritora e foi inclusive a pessoa que me convidou para o primeiro sarau da minha vida, como poeta, há poucos meses.

Mas Augusto não é apenas um amigo por quem tenho um carinho imenso, um leitor e entusiasta do meu trabalho. Augusto também é um cara extremamente inteligente, cheio de conteúdo. E também é poeta.

Estive no lançamento do primeiro livro dele, "O Meu Silêncio tem Som" (Chiado, 2019) e o convidei para mostrar um pouco do seu trabalho nesse "setor" do blog, já que a fila está grande e o livro dele vai demorar um pouco para ganhar resenha.

Então, caros leitores, conheçam um pouco da poesia de Augusto Valentini! Esses textos são inéditos, especialmente para vocês!

Às vezes sem mentir

Às vezes sem mentir
Falamos coisas  insinceras
São coisas da superfície
E as coisas precisam vir de dentro
Não se mente um “te amo”
Mesmo assim ele pode não ser sincero
Pode ser frase automática
Fala resposta a outro “te amo”

Agora, um “eu te amo” sim é sempre sincero
O eu é pesado
Traz consigo o âmago
“Eu te amo” é grave
É preciso saborear as palavras enquanto se as diz
“Eu te amo” vem com um aperto
No coração, no pulmão ou no estômago
Um dos três sai do ritmo logo antes do eu
Sintonizar contigo
“Eu te amo” deve ser sincero pela natureza da oração
Por difícil que seja dizê-la, a frase suicida-se
Joga-se da ponta da língua de olhos abertos
“Eu te amo” é sempre dito de olhos abertos
Olhando-se os olhos abertos do tu
“Eu te amo” à distância perde o eu
Escrito perde o eu
Rápido perde o eu

Eu te amo devagar com pausas e pequenos ataques cardíacos de um
Eu te amo com gosto cheiro e cor com toque peso e gravidade de um
Eu te amo com esforço de arremessar da minha língua para a tua esse
Eu te amo com a dor do peito ansioso por expressar tal
Eu te amo como quem morre uma pequena morte em francês num
Eu te amo como se poetizaram banalidades numa Remington em Portugal e
Eu te amo sem aspas e sem ponto sem teu nome sem minha assinatura
Basta o “eu te amo” repetido e tu sabes que o “eu” sou eu
Que o “tu” é tu
E que o “amo” é sincero
Porque te lo he dicho
Mirándote en los ojos
And that’s enough.

_________________________

Como Clarice em um avião enfrentando a turbulência

Me faria bem ter alguma fé
Conseguir crer sem evidências.
Queria poder
Como Clarice em um avião enfrentando a turbulência
Dizer
"Minha cartomante falou que não vou morrer de desastre"
E sorrir
Tranquilo.

________________________

Distração

A lâmpada segue acesa
E a música segue tocando
Escrevo esse poema
Tentando calar a madrugada
Para que
Ao menos dessa vez
O sono venha antes do sol
E eu possa fingir que não sinto
A cada dia mais
Medo da morte.

________________________

Augusto Valentini nasceu, vive em trânsito e morre de amor em Caxias do Sul, RS. Estudante de Letras e Teatro, é um amante incorrigível de todas as Artes, sejam elas 7, 8 ou 80. Já teve alguns textos breves premiados em concursos e selecionados para antologias. "O meu silêncio tem som" é seu primeiro livro publicado. Viciado em referências e reverências poéticas, as espalha por quase tudo que escreve.

~Maya

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segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Poesia em carta

Marco Aurélio de Souza me abordou timidamente com um poema um tanto peculiar. Lembro que achei graça porque ele, como muitos autores que me procuram, queria mostrar seu trabalho inseguro se estaria à altura do Bibliofilia. Pois bem, well (já entrando no clima do poema), não entendo muito disso de "nível de" porque, exceto aquilo que é muito escandalosamente tenebroso (um livro racista, por exemplo), ser bom o bastante para conquistar esse espaço é tipo sal à gosto: o tempero varia conforme o paladar.

Não me sinto confortável em fazer esse tipo de julgamento, e o blog não foi feito para mim, somente por mim. Ele é para o leitor, e o leitor é talvez o conceito mais diverso que existe. Para estar à altura do blog, só precisa ser literatura e não trazer em seu conteúdo nenhum tipo de discriminação, que pra mim, como curadora, texto discriminatório não é arte, é outra coisa bem diferente.

Me comprometi a ler o poema, nessa verificação se eu não abriria as portas do Bibliofilia para algo que o leitor bibliofílico não merece ser exposto e me deparei com um poema que na verdade é uma carta, ou uma carta que na verdade é um poema.

Confesso que entre um ou outro verso de tom mais dramático, achei em geral o poema divertidíssimo. Não muito depois recebi dois livros do autor, para futuras resenhas, tenho a sensação de que vai ser uma experiência agradável.

Mas estão na fila, e espero que o autor compreenda que a fila não é pequena e eu sou só uma. Vai chegar sua (segunda) vez. Por hora, conheçam esse peculiar poema de Marco Aurélio de Souza.



My dear friend Djami


My dear friend Djami, informo-lhe que ontem
Recebi o seu livro, devorando-o no mesmo instante.
Receio, porém, não ter nele encontrado qualquer
Vestígio de poema, ao que lhe dou notícia por supor
Tratar-se de algum equívoco ou mistake. Sim,
É o que lhe digo, não encontrei em seu livro qualquer
Lírio ou conhaque juvenil, sequer a virgindade de um
Pôr do sol no fim da linha: tudo se passa
Como se o autor destes riscos estivesse
Meio crazy meio mad meio caído
Em cânticos e rezas vazadas em um mix
De barbarismos antigos, que certamente fariam
Muito sentido em Pentecostes, mas não aqui,
Em nosso clube de odes à beleza da forma sadia.
Assim, devolvo suas obras completas, mistery Djemi,
Para que corrija esta falha com a língua
– Pois em seu livro sequer existe uma língua
E cá em meu país falamos português com
Correção, assim como se escreve às gramáticas.
Admitimos certos estrangeirismos, off course,
Mas nunca aqueles que se gestam dentro da própria
Nação, ao que lhe censuro a tendência promíscua
Pedindo encarecidamente que, em nova remessa,
Escreva-me sem fazer uso de suas próprias palavras.
Elas são suas e, como seu corpo – que neste compêndio
De elementos naturais (selvagens mesmo, eu diria),
O amigo também expôs de forma assaz indevida –,
Guarde-as para quando estiver ao chuveiro ou sozinho
Com parceirx(s) íntimx(s) que lhe deseje(m) a nudez.
Sem mais para o momento, confesso-lhe, contudo,
Que os arranhões feitos em mim por sua obra
Certamente não foram de todo o mal, e seu invólucro
De saliva aliviou-me a sede por dentro, ao que lhe peço,
Por justiça à consciência, que em sua resposta me envie
Mais destas letras cujo acento jorrando em nosso rosto
Causam este estranho fascínio ou efeito afrodisíaco
Na pressão – em que pese ausente de poemas,
O seu livro lambuzou-me nalguma forma de prazer
Desconhecido, não sei se mineral, vegetal, animal
Ou humano, mas desconfio deva ser a sensação
Daquele que mira a vulva hipnótica da Mãe Gaya
– a rainbow rising on my body, like a dream.

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Marco Aurélio de Souza é autor, entre outros, de Travessia (2017, poemas, Kotter), Anjo Voraz (2018, poemas, Benfazeja) e Os touros de Basã (2019, contos, Kotter/Patuá). Editor no selo Olaria Cartonera e na página O Pulso - decálogos sobre a poesia viva, atualmente, é doutorando em Estudos Literários pela UFPR. Vive em Ponta Grossa/PR.

Foto de Celso Margraf
~Maya

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