segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Pela dor

Talvez seja o caso de um estudo mais profundo, embasado, mas a poesia parece galgada sobre três pilares centrais: a ode, o amor e a dor. E a rima de amor com dor que nos acompanha desde os tempos pré-púberes.

Tem poesias cuja contundência das palavras de ordem ou a imagética do caos nos transmite a dor do tema tratado. Ou o tesão, dependendo do poeta. Tem outros que, com a simplicidade de uma folha ao vento, carregam todo o sentimento do mundo em um único verso.

E tá cheio de gente fazendo isso de forma subliminar entre palavras bonitas e um aperto no peito que vem sem a gente, o leitor desavisado, sequer perceber.

A beleza da poesia está justamente em nos tocar profundamente sem a gente sequer perceber de fato o que está acontecendo.

Conheçam agora o trabalho de Lucas Luis da Silva:

FUGIDIO
Marco-me à ferro, ferradura.
Marco-me como são marcados
os animais distraídos:
ausente de eternidade.
A cabra-burra pávida
pela altura.
Marco-me ao chão, 
cabeça-baixa,
discernindo esquinas.
Quem em sã-consciência
orbita o céu sem refletir
todo seu azul-piscina?
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CULT
as mensagens de Delfos
insurgem criptografadas
pela pitonisa digital:
devorar-se beats
um título marginal
ei-lo o culto 
código de barras
na poesia pós-m.
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BOA-NOVA
A cada um cabe sua visão de paraíso.
O Éden particular inserido ao cerne.

Rompido os versos bonitinhos
& as rimas piegas,
nenhum livro histórico herdará 
meu nome com destaque.

Amor & dor não mais siameses. 

Acumulo palavras, e serão elas,
Ozymandias, o testemunho
da minha essência,
essa decadência 
imanente.
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RUÍDO
Algumas vezes afirmaram-me ser diferente
o verso agasalhado em minha linha.
Por desconhecer reações tomo o elogio 
em mãos como um peixe.

Sonho a beleza incômoda 
de bastar-me miúdo.

Mas não sem antes desabarem sobre mim 
todas as pragas egípcias: que valor terão 
esses pobres traços em décadas?
Serei poeta apenas com a palavra
talhada em insuficiência?
Que definirá esse ruído em meio 
os ecos de Hesíodo produzidos 
aos baldes?

Nada sou que não sejam outros milhares. 
Outros melhores.

Eu homem não-título investindo
contra vida à qual sigo 
estrangeiro.

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Lucas Luiz  nasceu em Guararema no ano de 1991. Continua em pé, embora carregue a sequela da invisibilidade. Iniciou publicando crônicas no “Jornal D’Guararema” e depois poemas no site de variedades “Guararema Tem”. Redator do programa "Guararema Online" da Produz Áudio&Vídeo. Recentemente colaborou com as Revistas Literárias: Avessa, Inversos, LiteraLivre, Ser Esta, A Bacana, Subversa e Mallarmargens. Também com uma participação na Antologia “Além do céu, além da terra” da Editora Chiado. Segue sem exceder os limites do município. Ou já o fez sem que ninguém perceba.

~Maya
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