sexta-feira, 20 de setembro de 2019

O som do silêncio

Eu não lembro quando conheci Augusto. Minha memória não é lá essas coisas, mas sei que conheço Augusto há muito tempo. Ele se faz frequentemente presente na minha trajetória como escritora e foi inclusive a pessoa que me convidou para o primeiro sarau da minha vida, como poeta, há poucos meses.

Mas Augusto não é apenas um amigo por quem tenho um carinho imenso, um leitor e entusiasta do meu trabalho. Augusto também é um cara extremamente inteligente, cheio de conteúdo. E também é poeta.

Estive no lançamento do primeiro livro dele, "O Meu Silêncio tem Som" (Chiado, 2019) e o convidei para mostrar um pouco do seu trabalho nesse "setor" do blog, já que a fila está grande e o livro dele vai demorar um pouco para ganhar resenha.

Então, caros leitores, conheçam um pouco da poesia de Augusto Valentini! Esses textos são inéditos, especialmente para vocês!

Às vezes sem mentir

Às vezes sem mentir
Falamos coisas  insinceras
São coisas da superfície
E as coisas precisam vir de dentro
Não se mente um “te amo”
Mesmo assim ele pode não ser sincero
Pode ser frase automática
Fala resposta a outro “te amo”

Agora, um “eu te amo” sim é sempre sincero
O eu é pesado
Traz consigo o âmago
“Eu te amo” é grave
É preciso saborear as palavras enquanto se as diz
“Eu te amo” vem com um aperto
No coração, no pulmão ou no estômago
Um dos três sai do ritmo logo antes do eu
Sintonizar contigo
“Eu te amo” deve ser sincero pela natureza da oração
Por difícil que seja dizê-la, a frase suicida-se
Joga-se da ponta da língua de olhos abertos
“Eu te amo” é sempre dito de olhos abertos
Olhando-se os olhos abertos do tu
“Eu te amo” à distância perde o eu
Escrito perde o eu
Rápido perde o eu

Eu te amo devagar com pausas e pequenos ataques cardíacos de um
Eu te amo com gosto cheiro e cor com toque peso e gravidade de um
Eu te amo com esforço de arremessar da minha língua para a tua esse
Eu te amo com a dor do peito ansioso por expressar tal
Eu te amo como quem morre uma pequena morte em francês num
Eu te amo como se poetizaram banalidades numa Remington em Portugal e
Eu te amo sem aspas e sem ponto sem teu nome sem minha assinatura
Basta o “eu te amo” repetido e tu sabes que o “eu” sou eu
Que o “tu” é tu
E que o “amo” é sincero
Porque te lo he dicho
Mirándote en los ojos
And that’s enough.

_________________________

Como Clarice em um avião enfrentando a turbulência

Me faria bem ter alguma fé
Conseguir crer sem evidências.
Queria poder
Como Clarice em um avião enfrentando a turbulência
Dizer
"Minha cartomante falou que não vou morrer de desastre"
E sorrir
Tranquilo.

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Distração

A lâmpada segue acesa
E a música segue tocando
Escrevo esse poema
Tentando calar a madrugada
Para que
Ao menos dessa vez
O sono venha antes do sol
E eu possa fingir que não sinto
A cada dia mais
Medo da morte.

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Augusto Valentini nasceu, vive em trânsito e morre de amor em Caxias do Sul, RS. Estudante de Letras e Teatro, é um amante incorrigível de todas as Artes, sejam elas 7, 8 ou 80. Já teve alguns textos breves premiados em concursos e selecionados para antologias. "O meu silêncio tem som" é seu primeiro livro publicado. Viciado em referências e reverências poéticas, as espalha por quase tudo que escreve.

~Maya

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