Eu lembro. Lembro que me inscrevi em um concurso de contos de terror, coisa que nem de longe é minha praia (mas se considerar que trabalho com o que tem de mais podre na vida real, talvez eu me enquadre na categoria "terror"). O causo é que fui selecionada e meu conto foi publicado e citado por um dos mais reconhecidos autores do gênero no Brasil.
No post em que fui citada, um sujeito comentou, elogiando o trecho transcrito. Em seguida me adicionou. Fábio Fernandes se tornou o primeiro autor de ficção científica com quem tive contato na vida. Nos conhecemos ao vivo em meu lançamento em São Paulo e nossa amizade se solidificou. Não muito depois ele lançou "Back in the USSR". Em tempos de insanidade política, achei corajoso lançar um livro em que um olhar menos atento poderia considerar como uma homenagem à extinta União Soviética (URSS). Curiosamente aconteceu no meu insta quando anunciei que estava fazendo a leitura desse livro.
Me apaixonei pela capa. Nunca me atraí muito pelo gênero, mas a capa me conquistou. Curiosa para conhecer o estilo de Fábio, fiz uma troca com ele (ô miséria dessa vida sem renda).
Fábio promete na capa: "Um Thriller Surrealista" e cumpre. Aliás, cumpre DEMAIS.
Minha primeira impressão sobre o livro é que ele tem um estilo de escrita que eu adoro e uso muito: mesclar passagens sérias com toques de sarcasmo que deixam a história mais leve para o leitor, mais agradável e até mais divertida.
O protagonista dessa aventura surrealista é ninguém menos do que um dos homens mais famosos de todos os tempos: John Lennon. Tudo se passar em um passado futurista (eu sei, não faz sentido, mas no livro faz) onde existe o Método Frankeinstein (desculpe Fábio, não achei o "r" de marca registrada), um método de ressuscitação dos mortos. O causo é que no livro, o Método é real e a obra icônica de Mary Shelley é praticamente a visão ficcional da autora sobre como a coisa toda acontece, já que seletíssimas pessoas em todo o mundo têm acesso a tão privilegiada informação.
O mundo construído por Fábio não é nada parecido com o de hoje. Não houve a Segunda Guerra Mundial, mas uma segunda guerra civil americana que transformou a grande potência em um apanhado de pequenos países. Hitler, por exemplo, foi apenas um soldado medíocre (e foi mesmo, antes de se lançar ao poder mediante discurso de ódio, e sim, estou falando de Hitler ainda, e não de outro presidente, a confusão fica a cargo de vocês) cuja existência ainda era discutida, podendo ser ele apenas um coadjuvante de um conto famoso. Ringo jamais fez parte dos Beatles e Yoko Ono era uma cientista que se divorciou de Lennon muito antes de Chapman fazer o serviço sujo para colocar Lennon no centro de uma trama de espionagem.
Resumindo, TUDO MUTCHO LÔKO. Brincadeiras à parte, a criatividade de Fábio é indescritível. De verdade. Não sei como ele mesmo não se perdeu nessa trama cheia de reviravoltas (ou se perdeu e enganou muito bem), a questão é que nada é o que parece ser ou tudo é exatamente o que é. Se Lennon já não sabia mais o que era real e o que não era, o leitor sabe menos ainda.
Peço que por favor, entendam esse parágrafo de cima como um gigante elogio à obra, porque o mérito mais dela é justamente dar um nó na cabeça da gente e ainda assim a gente devorar o livro porque quer saber o que vai acontecer depois. Teve vários trechos que não entendi foi nada, mas saquei sem dificuldade que a ideia era exatamente essa. Lennon também não estava. Hashtag somos todos Lennon.
E mesmo nesse mundo tão esquisito que traz pessoas reais e mostra um pouco do que seria o mundo concreto se algumas coisas tivessem sido diferentes, ainda há espaço para muito questionamento ético e social. Confesso que me faltam palavras para explicar decentemente a importância da crítica que Fábio cria ao falar do uso do Método na guerra, criando, literalmente, um exército de zumbis, pessoas cujo corpo morto foi trazido de volta à vida totalmente mecânica, sem cérebro, dotados da única capacidade de matar.
E tudo isso com aquela linguagem que citei no começo, e que me é particularmente querida. Adoro um sarcasmo bem feito. E isso não falta no livro.
Trocando em miúdos, não digo que me surpreendi com o livro porque já imaginava que vinha algo algo bom do Fábio, o que me surpreendeu foi eu ter gostado tanto de um livro de um gênero que nunca apreciei de fato, e mais ainda de ter sido sugada dessa forma por uma história que eu não entendi nem metade. É mais ou menos aquela coisa: nem tudo foi feito para ser entendido. O livro é uma experiência. Me senti Lennon, confusa, perdida e sem saber em quem confiar. Às vezes se sentir o protagonista do livro é mais importante do que ter todas as respostas.
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Back in the USSR
Fábio Fernandes
Patuá: São Paulo, 2019
220 páginas
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Fábio Fernandes é carioca, escritor, professor e tradutor. Especialista em ficção científica, tem vasta obra internacional, escrevendo em inglês desde 2009.
~Maya
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