domingo, 7 de julho de 2019

Bicharada

Intercâmbios entre autores é uma prática super comum, e foi numa dessas que Manoel Herzog me presenteou com sua obra Os Bichos. De imediato tive uma boa impressão, já que os capítulos são divididos entre os reis da França e os capítulos se iniciam todos com o depoimento de um animal. Sim, um animal, cujo ciclo se encaixa com perfeição começando pelo urubu e terminando pelo homem.

A história começa pela morte - o que, para quem conhece meu trabalho, combina lindamente comigo - não só pelo primeiro animal ser o urubu, animal que come carniça, o resto apodrecido do corpo morto alheio, mas porque somos apresentados ao protagonista Luís Theófilo em um velório.



Luís Theófilo que amava Agda, que era filha de Lira, inimigo do pai de Theófilo. Agda o amava de volta, mas por conveniência política casou com o filho do prefeito. E tudo começou porque Theófilo não queria se envolver com política, moralista que era.

A ironia fina que se desenha na obra é fascinante: Theófilo, moralista, mantém o relacionamento extraconjugal com Agda e acaba se entregando aos braços sujos da corrupção política usando sua influência como advogado.

Os bichos, todos eles, têm alguma ligação com Theófilo, e a maioria deles sucumbe nas mãos de Francinaldo, que trabalha para Theófilo na fazenda. Embora a história de Theo, como é chamado pelo seu cachorro Hector, seja muito boa, as histórias dos bichos e sua morte relatada por eles mesmos (nem todos morrem em seu próprio relato, importante destacar) dão um brilho extra à obra.

Embora todas as histórias dos bichos sejam excelentes, não posso deixar de destacar a história do robalo, o peixe que acredita que os camarões artificiais são praticamente dádivas divinas e descreve sua pesca - sem saber o real significado dela - como o próprio arrebatamento cristão; e a história da abelha, que está em julgamento por ter iniciado uma verdadeira revolução na colmeia depois de experimentar do manjar dos deuses que deveria ser exclusivo da rainha. No relato da abelha temos uma amostra grátis de como nossa própria sociedade funciona.

Aliás, o próprio Theófilo nos traz de tanto em tanto um comparativo/reflexo da nossa sociedade, a mesma sociedade que vivemos há séculos, tornando impossível que os comparativos feitos por Herzog em seu livro um dia se vejam datados.

No meio dessa loucura toda ainda estão os arcanos e os reis da França, eventualmente todos explicados pelo personagem Luís de Lira, pai de Agda. Um sujeito que não sabemos definir o caráter em momento algum do livro - mais condizente com a realidade política.

Fiquei um tempo refletindo como resenhar um livro com tantas nuances diferentes e confesso que não me dou por satisfeita. Falta de experiência como resenhista, certamente. Independente de qualquer coisa, é mais fácil dizer ao leitor: "leia que vale a pena" do que tentar desfazer esse nó. Creio, honestamente, que além do prazer de ler um livro dessa natureza, ainda vou acordar, dentro de alguns meses, com uma epifania sobre ele.

Sim, é o tipo de livro que fica armazenado na cabeça para nos dar um susto tempos depois com uma grande revelação que ultrapassa suas páginas.

________________________

Os Bichos
Manoel Herzog

Realejo: Santos, 2012
141 páginas

________________________

Manoel Herzog nasceu em Santos, em 1964 e iniciou na literatura em 1987 com Brincadeira Surrealista, poemas. Em 2012 publicou Os Bichos, romance, pela Editora Realejo. Em 2013, Companhia Brasileira de Alquimia, romance, pela Editora Patuá. Em 2014, também pela Editora Patuá, o pornoépico A Comédia de Alissia Bloom, terceiro lugar no prêmio Jabuti 2015. Em 2015 lançou O Evangelista, romance. Em 2016 foi a vez de Sonetos de Amor em Branco e Preto, poemas, com apoio do Proac. Ainda em 2016 lançou Dec (ad) Ência, romance, pela Patuá, em 2017 A Jaca do Cemitério é Mais Doce, pela Alfaguara e em 2019 Boa Noite, Amazona, também pela Alfaguara.



~Maya

_______________________
TAG central de vendas!
Se você quiser fazer parte do maior clube de leitura do país, assine aqui o curadoria e aqui o inéditos.
Assinando através desses links, você ajuda na manutenção deste blog!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Finaleira

Esse é o último post desse blog. CALMA, NÃO PRECISA DESMAIAR! Não, o Bibliofilia não acabou! O causo é que no finalzinho de outubro, mais...