Adorei a Natalia de imediato. A simplicidade dela, a forma de lidar com os sonhos das pessoas que ainda não "chegaram lá". E então veio o Jabuti. Não acho justo dizer que me senti representada porque o esforço foi todo dela e a obra tira da invisibilidade um grupo no qual não pertenço. Mas ainda assim, bom, eu me senti representada por mil outros motivo e celebrei a vitória dela com o mesmo entusiasmo que celebro as vitórias de autores como ela: talentosos, apaixonados e que nunca olham os demais com o desdém de quem tá uns bons passos além.
Meu apreço pela Natalia tem mil motivos que não cabem citar aqui, e foi por isso que fiz questão de prestigiar seu lançamento e começar a leitura de "Controle" tão logo fosse possível.
Controle, primeiro romance de Natalia Borges Polesso. Primeiro livro de ficção que eu risquei e marquei.
Maria Fernanda é epilética. De uma infância cheia de apostas, aventuras e bons amigos para uma adolescência de clausura, isolamento, medo, culpa. Nanda não está no controle de seu próprio cérebro e a qualquer momento pode ser traída por ele.
Deus do céu, isso pode ser adaptado para tantas condições que interrompem o que chamamos de "vida normal" de tanta gente... quando finalizei a leitura, falei para Natalia não apenas o quanto AMEI o livro dela, mas o quanto eu tinha vontade escrever essa resenha. E então entendi que isso aqui não tem como ser uma resenha tradicional, e talvez seja mais difícil de escrever sobre esse livro do que foi qualquer outro, considerando que não tem um mês que escrevo resenhas para esse blog.
O motivo? Eu sei exatamente como Maria Fernanda se sentia. Controle na verdade foi meu primeiro contato real com a epilepsia, doença que desconheço para além do que todo mundo sabe, das convulsões e os perigos para a segurança do paciente, mas os sentimentos traduzidos por Natalia em seu romance de estreia poderiam estar nas páginas do meu diário e nos diários de milhares de pessoas ao redor do mundo que sofrem de transtornos de outras naturezas.
Depressão, pânico, bipolaridade, borderline, ansiedade e tantos outros também são limitantes, também tiram de seus portadores o controle total de seu cérebro, e de sua vida. O tema é epilepsia, mas a analogia se encaixa com perfeição até porque Nanda experimenta o sofrimento de uma depressão causada pelas privações impostas pela doença.
"[...] eu me sentia uma bosta, uma inútil, alguém que não era normal", desabafa a personagem na página 51.
Pessoas "diferentes", como a Nanda epilética, como a Maya bipolar, como tantas e tantos deslocados pelo que a sociedade dita como normal entendem o período escolar como uma tortura. Uma fonte constante de depreciação, aniquilação da autoestima, traduzido à perfeição na página 66: "Digo 'as pessoas da escola' e tremo. Não sei se é medo ou nojo ou um cansaço infinito. Mesmo que agora até as crises de ausência tenham diminuído, mesmo que a medicação esteja funcionando bem, mesmo que tudo esteja indo tranquilamente, eu não consigo me desvincular dessas coisas, dessas faltas. Eu disse que não importava, mas importava, sim. Parece que fiquei com um monte de lacunas para completar. E eu não sabia com que completar".
O vazio consome. O vácuo de uma vida que se vê sem propósito para além da dor vai se fechando ao redor e tornando até a respiração mais pesada. Mas Maria Fernanda não quer se entregar, ela só quer uma vida, "Não com uma porra de uma vida cheia de merda. Eu queria ser normal", na página 89. Ao alcançar 30 anos, Nanda dói. Tudo o que não tinha vivido. Tudo ali a estapeia. Tudo arde.
E como arde.
E então a combinação dos remédios estava perfeita. Apática, cita 5 vezes em um único capítulo que aquilo estava bem, mas não se convence. Do inferno à calmaria ausente de si. Não é uma escolha fácil.
Decisões são tomadas, riscos são corridos. Maria Fernanda vivi, mais do que sobrevive. As cenas finais da obra nos colocam no coração de uma mulher de 34 anos que não tinha vivido até ali. Como tantos e tantos que talvez jamais tenham essa chance.
Controle é um livro que tomei para mim. É pessoal. Entrei nele e ele entrou em mim. Difícil manter o distanciamento necessário para uma resenha "profissa", mas lembrei que o blog e meu e todos que acompanham sabem que sou novata na arte da resenha, me dei o direito de tomar todo esse sentimento para mim, falar de Maria Fernanda querendo gritar o tempo todo, SIM, NANDA, EU TE ENTENDO.
Acabei não lembrando de citar Joana, porque toda a relação de Nanda com sua própria mente me pegou de jeito, mas vou deixar essa parte ótima da história para uma conclusão de vocês.
De resto, Natalia já tinha provado a que veio nos contos, agora nos prova que também é uma romancista brilhante. Não pensei nem por um momento que seria diferente.
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Controle
Natalia Borges Polesso
São Paulo: Companhia das Letras, 2019
172 páginas
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Natalia Borges Polesso é doutora em Teoria da Literatura e vencedora do prêmio Jabuti em contos o ano de 2016 pelo livro Amora. Autora de outros livros entre contos e poesias, Natalia estreia do romance com a obra Controle.
~Maya
Já tenho o meu, que peguei autografado com essa criatura simples, mas inigualável. Sei que quando começar, não vou parar de ler.
ResponderExcluirObrigada pela resenha!