Vos digo, leitores, agora que me aventuro no campo da resenha, essa mulher é mestre no que faz. Mas mais do que isso: comecei a desafia-la a produzir a própria literatura; alguém com aquela linguagem e aquele conhecimento com toda certeza seria capaz de produzir boa literatura.
Acertei na mosca.
Ela já escrevia, só não contava pra ninguém. Aliás, até hoje dá uma trabalheira danada para fazer ela mostrar alguma coisa. Mas enfim, venci.
O nome dela é Mariana Belize, idealizadora do projeto Olho de Belize, e ela escreve MUITO. Confere aí!
Não jogue a âncora aqui
não jogue
nem mesmo as suas palavras
não jogue com elas
não jogue
não faça o nó
desfaça essa cara
disfarça
engole a revolta
e volta
transforma esse nojo
em calma
e não jogue essa pedra
não jogue
não quebre a corrente, se entregue
à maré das ocultas serpentes
se forme
não olhe pra trás
largue tudo aqui nesse barco
reme de volta pra casa
não há lar
não há fidelidade
não há fartura nem pôr-do-sol
não jogue a âncora
aqui
não jogue comigo pelo placar
não estapeie a própria cara
não brigue com a lua vermelha
não
não jogue a corda
não atenda o telefone
não escreva a carta
não
não jogue a âncora aqui
don’t play the piano
não jogue o lixo fora
não pegue o casaco
não
não escreva uma carta pro marido
não beije o cachorro
não se despeça de mim
não
não jogue a âncora
não cate essas pedras
desfaça o nós
não pule do prédio
não atravesse no sinal verde
não tome as pílulas assim
exageradamente
não
não pegue a faca.
Não jogue essa âncora.
Não deite no rio.
Não morra, por favor.
Me dê um sinal,
Virgínia.
Não.
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Dilma, Andrea, Virginia
(A todas as mulheres intelectuais que estão nas universidades provando o machismo todo dia)
Mulheres, se um homem não puder te ofender
te engolir
te comer
pelo teu trabalho intelectual,
dizendo que é medíocre
mediano
ridículo
inábil
Mulheres, se um homem não puder te ofender
pelas tuas ideias e pensamentos,
dizendo que são loucura
babaquice
transtorno
inutilidade
Mulheres, se um homem
qualquer um da Academia
não puder te definir como simplória
inocente
ingênua
/naive/
jovenzinha
coitadinha
em matéria de academicismos
muitas vezes decorativos curriculares
aquelas coisas altamente questionáveis
nós sabemos que não são eternizáveis
nós sabemos que a teoria
na prática
é outra
Mulheres,
se um homem não puder te chamar de medíocre
te ofender pela tua intelectualidade...
te chamar de burra
gorda
fedelha
cadela
vadia
vagabunda
filha da puta
te engolir
te comer
pelo teu trabalho intelectual,
dizendo que é medíocre
mediano
ridículo
inábil
Mulheres, se um homem não puder te ofender
pelas tuas ideias e pensamentos,
dizendo que são loucura
babaquice
transtorno
inutilidade
Mulheres, se um homem
qualquer um da Academia
não puder te definir como simplória
inocente
ingênua
/naive/
jovenzinha
coitadinha
em matéria de academicismos
muitas vezes decorativos curriculares
aquelas coisas altamente questionáveis
nós sabemos que não são eternizáveis
nós sabemos que a teoria
na prática
é outra
Mulheres,
se um homem não puder te chamar de medíocre
te ofender pela tua intelectualidade...
te chamar de burra
gorda
fedelha
cadela
vadia
vagabunda
filha da puta
Mulheres,
com certeza,
ele vai apelar...
com certeza,
ele vai apelar...
rindo
cagando
e andando
carregando
seus podres poderes.
cagando
e andando
carregando
seus podres poderes.
Mulheres,
ele vai dizer que você é feia.
ele vai dizer que você é feia.
Se ele disser
e ele vai dizer,
não acredite e dê uma bela gargalhada.
e ele vai dizer,
não acredite e dê uma bela gargalhada.
É, como diria meu povo aqui de Belford Roxo,
povo crudelíssimo, glória a Maria!:
Issaí é recalque, lindeza...
puro recalque.
povo crudelíssimo, glória a Maria!:
Issaí é recalque, lindeza...
puro recalque.
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Cartão de visita
Revisar eternamente
o que ser mulher re-
apresenta
ao mundo de maquiavel:
requisitada dama na sala,
língua ferina no corredor,
pernas abertas na alcova.
Repisar eternamente
a graça divina
de um útero macio e fundo
parecendo um túmulo
dessa cidade de papel.
Reinterpretar a realidade
espúria
desse trinômio:
breu, silêncio, sorte.
Ser. Mulher. Morte. Repita devagar.
As três marias parecem danificadas
no céu poente que construo
não parecem coloridas
nem pulsantes.
Eu carrego meu barco
sem Barqueiro que conduza
pra dentro de qual inferno
a vida me ameaçava?
Mãe, Pai, Avó, Família
Sacra pertença, ingrata
herança, perniciosa, a monstra bebê
que nasceu curtida no fel
e na desgraça.
Ainda nem nasci e já sinto
o empuxo
da falácia.
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Lendo Euclides da Cunha
A terra:
entrada sertão
drenagem caótica das torrentes
o rabisco de um rio
arbustos flexuosos entrechassados de bromélias rubras
a truncadura malgradada
desde aqueles tempos, as lindes de um deserto.
É uma paragem impressionadora
mares de pedra
ruinarias de castelos
arestas dos fragmentos
à luz crua dos dias sertanejos.
aquele ignoto trecho do sertão:
a natureza, em roda, lhe imita o regímen brutal...
escombros de terremotos
em roda uma elipse majestosa de montanhas...
uma inércia cômoda de mendigos fartos
no ascender do verão acentua-se o desequilíbrio.
desce a noite, sem crepúsculo, de chofre…
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há uma parte de mim que corre
de canto a canto, ela se apressa
em ações desgovernadas
que eu observo sem julgar
há uma parte de mim que senta
numa cadeira todo dia tentando
esquecer o passado
que eu observo sem chorar
há uma parte de mim que ouve
canto gregoriano e heavy metal
ela se descuida de todo o resto
e eu observo sem cessar
há uma parte de mim que escreve
prosa, poema, cartas para ninguém
dedicada a ajustar as palavras...
ensaiando as lacunas que eu observo
há uma parte de mim que chora
mas essa eu não tenho coragem de encarar
fico atrás da porta do quarto escuro
encostada na porta, eu desperto e durmo
enquanto lá dentro ela clama e soluça:
Nós nunca seremos uma só
nós nunca seremos uma só
nós nunca seremos uma só…
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Foi quando ela me disse
você não é poeta,
emendou um querida
porque precisava
parecer
simpática.
Deixei o café esfriar
enquanto escrevia.
Pareço um demônio no espelho?
Quando enxergo meus chifres
e meus pés envergam
sei que a noite vai ser difícil.
As bruxas se soltaram
do porão da minha cabeça.
E eu estou sentada,
marcando uma reunião comigo mesma.
Foi quando ela disse
escrever pra quê
nem adianta se esforçar
você não é poeta
eu reconheceria
se
você
fosse
algo.
Do nunca duvidei, bicho
é o fato de que minha irmã me odeia desde
desde quando
desde?
Eu tinha quatro anos quando
entrei na casa do estranho pela
primeira vez
e foi instantâneo:
o demônio entrou no meu corpo
o demônio se apossou de mim
e quando olho no espelho e vejo
essa mulher
essa estranha
meus olhos, os olhos dela
sendo unívocos
como um sistema que se retroalimenta
de gritos e sussurros
ela insistiu
você devia ter vergonha,
você devia se esforçar mais
você devia
devia
você
me
deve
a
vida
ontem, o incêndio começou dentro do meu estômago
o prazer do silêncio
de dentro
esfumaçado pelo crepitar das chamas
foi o demônio que jogou o álcool
eu expliquei pros policiais
eu sou só uma tecelã, bicho.
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Mirror, error
Uma face desfigurada é o que se apresenta, sem olheiras, enigmática. Sobrancelhas por fazer, é a face da morte que encaro, dia após dia, ao olhar de soslaio o espelho do banheiro. Viro para a parede e não é mais de espelho que quero falar. Quero olhar dentro, tudo me cansa e amarra o tráfego.
Não há encanto para o indizível. Na verdade, os interlocutores se calaram. Não nasça com tudo na casa 12, sem uma casa 11 povoada de mulheres pagãs de fel e fome. Estou sozinha nesta barca. Eu só tenho dez centavos.
É o silêncio que assusta. O que está atrás de mim que não enxergo? À noite, ainda que seja de lua cheia, esconde as sombras maiores. Tenho pensado na relação entre o sol e a sombra. Ele é a maior luz que conhecemos, no entanto, projeta a maior sombra. Só vejo minha sombra apagada ao meio dia, a luz de pino na ribalta. Vida é teatro ou vida é sonho?
Uma princesa encantada, uma fera flechada, uma clichê cantora de ópera, uma mulher que nasceu Hamlet, mas só faria Ofélia. Eu sou um desastre na vida, não tenho roteiro e a mãe que me deram me ensinou a virulência da caçada.
Pacifista porque fraca. Vegetariana porque nojenta. Nasci mulher por um erro genético. Hoje eu dei de querer entender as coisas, a chuva veio e eu não pude sair. Não tenho narrativa. Nem em primeira pessoa as coisas se constroem. Só um berreiro permanente como uma maternidade em plena lua cheia. A Deusa que mora em mim é Mãe das Lágrimas, dos Tormentos. Mãe da Noite. Quanto maior a noite, maior o silêncio. Aradia, quanto maior a escuridão, maior é a força do mistério de quando se entrega às forças abissais. Sem trégua.
Se eu sentia prazer com o pecado, então só podia ser do Diabo. E foi assim que me marquei pra sempre e ninguém me cura. Corro, fujo e outra vez diante de Lúcifer. Basta me olhar no espelho, virado novamente com sua lâmina a me ferir. Problemas de imagem, astigmatismo, hipermetropia, dentes tortos, problemas de auto-imagem, querer morrer não é uma escolha sábia.
Busca de poder por meios inóspitos, uma bruxa carregando uma vassoura me escolheu. Ria de tudo. Me ensinava a morrer devagar. Ninguém percebia. Quatro dias em cima da cama, morrendo. No quinto dia, o médico disse que era falta de pau. No sexto dia, o médico receitou prozac. No sétimo dia, eu descansei de minha obra de silêncio e prisão.
Como escrever um romance só de vazios? Como não sucumbir à minha própria beleza refletida no espelho da minha mãe? Como não se perder quando ela largou minha mão a primeira vez no meio da rua e eu tive que achar o caminho de casa sozinha de novo e de novo e de novo…? Depois, na praia, me afoguei, mas o mar não quis que eu morresse. Mamãe quis. Eu queria tanto viver pra mamãe. Pra sempre, amando e protegendo e cuidando. Eu a amava. Mas ela jamais secou as minhas lágrimas.
Ninguém secou. Meu pai fugiu porque eu cresci e era complexa demais. Como Gregor Samsa, um dia eu acordei na casa dele com patas a mais do que ele queria. Uma gata só tem quatro patas, ele sussurrou. Mas eu nunca fui uma gata.
Aracne, sua doida, eu tecia meu tapete de fúria.
Já escreveu se ollhando no espelho? Eu vejo os mares salgados dos olhos do mundo e tudo se transforma quando apago as luzes e deixo de ver a mim mesma para partilhar do silêncio da chuva. Sagrado momento de fala cativa, salada mista com a natureza fria que me embala. Pranteio nas rosas vermelhas para que os amantes se separem, mas as rosas sobrevivam. Meu jardim de silêncios bem adubados com a rotina intempestiva de ônibus e trens e nunca vou viajar. Fico aqui eternamente falando sobre mares dos olhos que vejo no espelho. Tragada pela minha força de abismo, o fel da mágoa me corroendo. Quero colocar pra fora, mas não gosto de vomitar, acho nojento e eu escrevo hoje pra não ter veneno amanhã quando estiver em sociedade e tiver que falar o que estou pensando porque todos são invasivos como meus pensamentos.
Não, não tem roteiro. A beleza está nos detalhes porque os olhos de Lúcifer brilham nos meus, Marte volátil deslizando na terra como a serpente de Eva. Eu sou Eva pulando corda com um cipó no paraíso. Pauso o filme e esqueço porque fui engolida por essa escrita insossa.
Não sou Graciliano e por isso escolho os adjetivos para usar no texto a partir de critérios unicamente idiotas.
As pessoas gostam de histórias para ler em silêncio, eu gosto de histórias para ler em silêncio do entreguerras quando o eco das bombas ainda passa arrepiando como um espírito das trevas. Pareço com a minha mãe ou com o meu pai? Pareço comigo mesma. Busco respostas no fim da noite, mas antes que possa encontrá-las, o sol nasce.
Quero ser enterrada com rosas vermelhas pelo meu corpo inteiro. Quero ser lavada com rosas vermelhas. Quero rosas vermelhas por todo meu corpo. Quero agora uma rosa vermelha pra afastar os fantasmas já que não posso fumar. Rosa vermelha é meu fim e meu pecado.
Foi por uma rosa vermelha que fui perseguida e morta, enforcada com meu desânimo, um coração arrebatado pela imensa sensação de Deus e depois tragado pelo silêncio de uma instituição católica apostólica romana mas que não identifica seus santos, apenas seus invasores. Fiquei no meio, entre pecadora e santa porque era pobre. Enforcaram meu Desejo. Eu estou aqui.
Escrevo para não vomitar amanhã no colarinho dos professores. Não tem enredo. Acabou.
Alea jacta est.
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Mariana Belize, que criou e escreve no Projeto Literário Olho de Belize, é mestranda em Literatura Brasileira pelo Programa de Letras vernáculas da UFRJ. Estuda a obra de Ronaldo Lima Lins, mais especificamente o romance "As perguntas de Gauguin". Formada em Letras - Língua Portuguesa/ Literaturas - da UFRRJ – Nova Iguaçu. Escreve resenhas críticas com base nos seus estudos de Crítica e Teoria Literária com base na Estética da Recepção e estudos sobre a relação entre arte e vida.
~Maya
Minha filha querida. O que ela escreve é arrepiante!!! Criou e escreve o Projeto Literário Olho de Belize. Vale a pena. Vá lá se arrepiar!!!!!
ResponderExcluirMariana é fantástica mesmo!
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