Conheci Micheliny primeiro de ouvir falar mesmo. Ouvia algumas pessoas dizendo "Fulana vai ser prefaciada pela Micheliny" e os demais aplaudiam. Eu já a tinha em meu facebook, mas demorei uma eternidade para associar Micheliny à amiga de rede social Onça Verunschk. Quando isso aconteceu, fui entender porquê o nome dela traz tanto status.
Micheliny não tem meias palavras. É provocadora, irônica e irreverente. Tive a oportunidade de conhecê-la em São Paulo e descobri que é também muito simpática e divertida.
Pois bem, enfim, das quatro obras que tenho de Micheliny, escolhi começar com Nossa Teresa, uma obra que, já em seu subtítulo, aborda o suicídio.
De imediato, seu narrador provoca o leitor religioso: "Pensam os arautos do Senhor que num mundo em que reinasse o livre-arbítrio de fato, Deus não teria mais qualquer utilidade". A provocação é válida, já que o próprio tema do livro é a história de uma jovem suicida que virou santa. Mas suicidas não são pecadores?
Teresa ganha a exceção. Nem tanto por provas de santidade - que o narrador nos apresenta - mas porque seu suicídio partiu de sua própria profecia de que deveria voltar o mais rápido possível aos braços do Senhor e que, no efeito borboleta de sua volta aos céus, o padre que atuava como seu mentor espiritual se tornaria Papa. Assim o foi.
O narrador não nos conta a história de Teresa, pelo menos não de uma forma previsivelmente linear. Temos alguns flashes da vida da menina casta, como a imagem de Pietá que compara a mãe de Teresa com a filha morta nos braços e Maria, a virgem, com seu Jesus torturado e morto na mesmíssima posição. Ou quando outro padre que também acompanha a trajetória da menina antes da morte precisa suportar as reações de seu próprio corpo diante da excitação sexual que a futura santa o causava.
Nesse meio, outros tantos temas ganham espaço, seja no suicídio da bisavó de Teresa mediante a vergonha do adultério, seja o fanatismo religioso de um rapaz de custa a vida de outros, seja a gata Ásia que extrapola a expectativa de vida de um felino depois que seu tutor, perito, atua na exumação do corpo da santa.
Ou da ironia de Teresa ser filha de ateus que não reconhecem sua santidade.
Micheliny, e seu narrador que se declara morto ao final do livro, já que sua serventia se finda ao final do mesmo, nos apresenta não apenas uma obra complexa e envolvente, mas uma série de reflexões sobre morte, fé, sobre a própria percepção da vida. Tudo isso quebrando a quarta parede narrativa, ou seja, dialogando cara a cara com o leitor.
Não vou negar que livros dessa natureza sempre me pegam desprevenida - quando a gente espera simplesmente um relato da vida e morte da santa suicida, somos estapeados por uma narrativa fragmentada, hipnotizante e longe de qualquer tipo de clichê. A surpresa agrada.
Marquei muitos trechos do livro, pensando em cita-los nessa resenha, mas o livro precisa (e merece) ser lido em seu conjunto. Que cada leitor faça suas próprias marcações.
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Nossa Teresa - vida e morte de uma santa suicida
Micheliny Verunschk
Patuá: São Paulo, 2014
185 páginas
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Micheliny Verunschk é poeta, escritora, finalista do Prêmio Portugal Telecom, doutora em Comunicação e Semiótica e publicou Nossa Teresa com patrocínio da Petrobrás Cultural.
~Maya
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