quarta-feira, 31 de julho de 2019

Dia de Matheus

Consigo imaginar Matheus Henrique, completamente ruborizado, escrevendo no inbox da página do Bibliofilia. Apagando. Escrevendo de novo. Apagando. Escrevendo e dando o "enter" com o coração na boca. Consigo imaginar pelo tom tímido do seu contato.

Oras, Matheus, sei que deixei claro, desde o início, que o blog teria curadoria para garantir uma mínima qualidade nesses espaço. Sei também que trago aqui resenhas de gente com bons anos de experiência nas costas, prêmios e o escambau.

Mas eles, eu, você, qualquer um que se aventure no mundo das letras, começa de algum lugar. E esse lugar, podes ter certeza, não é concorrendo ao Nobel.

Não tenham vergonha, jovens autores, de mostrar seu trabalho. Trabalho escondido não evolui. A crítica teve um papel crucial na caminhada de todos os maiores nomes, e dos médios, e dos que se pretendem grande um dia. O blog aqui não tem intenção de julgar ninguém, mas quem sabe de ser um espaço de crescimento?

Então Matheus tomou coragem e me mandou um conto e um poema.

Gostei de ambos.

Gostei como quem gosta de uma massa de bolo. Está gostoso assim, imagina quando estiver pronto?

Matheus já tem pegada (epa, não é isso que vocês estão pensando, sequer conheço o menino ao vivo!), já tem direção. Pode mudar no futuro, é verdade, mas os elementos da receita estão todos aí.

O que falta? Para alguns leitores talvez não falte nada, inclusive. Coragem de produzir mais e começar a bater na porta de editoras, quem sabe? Pra mim, pessoalmente, falta só a maturação, aquele processo que só o tempo traz, um toquinho de malandragem.

Gostei de conhecer Matheus. Gosto quando jovens autores me mostram seu trabalho e eu vejo um caminho ali. É bom pensar que o potencial tá todo ali. Ruim é estragar o sonho de alguém, o que não é o caso. Segue firme, Matheus, você está indo por um caminho bem legal.

Conheçam Matheus Henrique:


Moinho de Vento

O ato começa quando a mosca entra no meu quarto, já de noite.
Abrem-se as cortinas, focam-se as luzes, e eis no palco a bailarina.
Todo o teatro se desenrola entre minha rotineira leitura e o zum-zum dela, de um lado para o outro, de cima a baixo. Observei todo o espetáculo. Foi quando, descansando ela na parede, percebi a situação: a peça já havia acabado e ela não sabia voltar para casa.
Generoso que sou, aceitei a tarefa como que a um repto. Empunhei o guarda-chuva fechado, aquele pedaço de fibra de carbono enrolado em pano antiaderente, e esgrimei a bendita com vontade. O sabre zunia tão rápido que não sabia quem estava mais tonto.
Quando o braço não aguentava mais, troquei os avanços da tecnologia pela rudeza de uma vassoura. Não adiantou. Voava para fora da porta e voltava. Da janela nem chegou perto.
Começando a ficar irritado, decidi utilizar o dom que me difere da mosca: a idiotice. Apaguei a luz para encará-la no escuro. Eu não via e nem ela. A única visão? A janela. Minha esperança.
De repente, silêncio. Acendi a luz e não mais a encontrei.
No fundo, fiquei envergonhado.
Fecharam-se as cortinas, apagaram-se as luzes, e eis que estava sozinho no quarto.
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(sem título)

Ando tendo sonhos de canto,
de palavra falada, cantada,
sonho em ouvir minha voz em um tom mais bonito,
mais devagar
devagarinho
ser passarinho, gorjeando no fins de tarde,
no início das manhãs,
ser chamado sábio
sabiá dos caminhos
cantando, sem saber de notas e acordes,
sem instrumento, só voz, emoção e plateia a se sentir encantada
com outra voz na música popular brasileira
ou ser outra voz na beleza diária brasileira
de alguém.
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Me chamo Matheus Henrique, tenho 23 anos, sou nascido, criado e vivido entre capivaras, jacarés e araras na terrinha de Manoel de Barros, no pantanal campograndense. Sou formado em filosofia pela universidade federal do estado e escrevo literatura unicamente por prazer, para fazer da vida uma experiência mais bonita e curiosa. Sonho pelo dia que todos possam e saibam apreciar as riquezas infinitas da arte, o que não é nada mais do que as riquezas infinitas da vida.


~Maya


segunda-feira, 29 de julho de 2019

Da pólvora, o cheiro queimado da inspiração

Hoje, 29.07, é aniversário dessa que vos fala. Para me auto-celebrar, trago aqui uma resenha extraordinária escrita pela crítica literária Mariana Belize, idealizadora do projeto Olho de Belize, sobre meu livro de poesia mais recente, "Poemas para Ler no Front". Espero que apreciem a resenha e o livro!




Poemas para ler no front difere substancialmente da outra obra poética de Maya Falks, Versos e outras insanidades. O tom melancólico de Versos foi substituído por uma frieza e uma mecanicidade, uma espécie de aceitação da tragédia que circunda o eu-lírico. Frieza como gélido é o olho daquele que encara a morte. Mecanicidade como um aspecto de escrita seca, que sulcando uma terra coberta de neve, tenta colher rastros de sobreviventes, mas só rasteja sobre os ossos dos que partiram.
Distante e ausente do front, o eu-lírico é, ao mesmo tempo, dissimulado, cínico pelas circunstâncias e, renegando o porvir, simplesmente decreta as perplexidades que somente chocam àqueles que não se traumatizaram, ainda, com o troar dos canhões.
“Da mão do oponente, meu corpo ao chão”. E não há consequência.
A guerra só dói no primeiro instante. Depois se torna uma ausência, um descolamento do eu-lírico de sua própria tentativa de denunciar o que vê e o que pressente. O eu-lírico segue o conselho de Walter Benjamin, poeticamente reescrevendo liricamente a história a contrapelo, utilizando os versos para focalizar os invisíveis: os soldados anônimos morrendo sem motivos, os moradores de rua, as mães que perdem seus filhos por conta de uma política de extermínio em massa… As mulheres assassinadas por aqueles que acreditam que elas são suas propriedades, creem ter sobre elas direitos de vida e morte.
Theodor Adorno afirmou ser impossível escrever poemas pós-Auschwitz. Mal sabia que poemas eram escritos EM Auschwitz. Não apenas isso, as pinturas levavam o sabor sutil mas poderoso da liberdade vermelha, como podemos ler e compreender melhor lendo a tese de doutorado de Ubiratan Machado, escrita em 2017 e que pode ser encontrada em domínio público para leitura acurada sobre essas descobertas. A prova de que a arte é, de alguma forma, um bálsamo…
Em Aos versos, poema que abre o livro, teremos uma noção ampla do que o eu-lírico trama para o leitor. Ao engolfar nossa leitura em sangue, a intenção não é chocar. Os poemas de Maya não são sensacionalistas. A questão é mais profunda: o transtorno no leitor é justamente a vertiginosa queda nos labirintos da leitura, ser afundado não numa escuridão, nem na insondável luz, mas cegados por uma poeira, sentimos na boca o gosto de um sangue que não sabemos nosso ou alheio.
Os dois.
Voltemos aos versos, porque há de ter um belo epitáfio em meu túmulo”
À espera de um belo epitáfio, o eu-lírico verte em versos a morte de qualquer esperança, assim como o recado à porta do inferno que Dante Alighieri construiu. Mas ao contrário de Dante, o eu-lírico de Poemas para ler no front, não alcançará o paraíso, nem é o que deseja. A morte é seu ponto final, como um caminho sem volta e sem continuação.
Também não é a angústia que o impele. Travado no presente, o eu-lírico é o esgotamento da fala e o verso que rompe o branco do papel com a escrita da retina traumatizada pelo que viu resgatada pela mão que escreve, pacientemente, o que o abismo grita. O registro num frame que se repete ad infinitum
Ele olhou para o abismo nos olhos do homem da guerra e viu que era só… vazio.
E o poema reflete a cavalgada, não das Valquírias, mas o caminhar ritmado do soldado em direção à morte.
Seu sentido é a enterrar-se na trincheira do esquecimento. Um soldado é só mais um.
Guerreiros perdidos no tempo, na sorte e na vida
Caminham sem eira nem beira, na marcha sofrida
Respondem às aves nortenhas, vis cintilantes que pairam no céu
Sonham com a glória perdida, a noiva roubada vestida de véu
Encontram o triste destino na vala sem nome e identificação
Exaustos, sem alma no corpo encontram a morte a caminho do chão.”
Encontrar a morte a caminho do chão é morrer aos poucos, em câmera lenta, como na espetacularização da guerra a que estamos submetidos, seja por Hollywood e seus milhões de filmes de mesmo enredo, seja na repetição mórbida das estratégias militares dos países viciados em guerra.
A guerra é poderosa porque se alimenta da indiferença dos que não são afetados por ela.
E as guerras particulares, os infernos anônimos, as barbáries cotidianas?
O exército dos indiferentes mantém-se fadados ao rivotril.
O destino, que assim queria, trazia às mães a dor da solidão
Olhavam pro céu em tristeza, com a certeza da impunidade
Tiravam a vida dos filhos, a vida dos trilhos, cruel realidade”
Quanto tempo escutaremos o eco de “Ó Senhor Deus dos desgraçados!” nem o pranto de Las Madres de la Plaza de Mayo? E aqui já não basta citar uma questão de época ou diminuir a carga emocional de Haviam os trovões. Os poemas de Maya constroem-se dramaticamente como visões de um pesadelo recorrente. É um livro que, sob a égide do trauma, pode ser utilizado como didática para compreender não pela razão, mas pelo corpo. Todas as guerras e seus traumas ali presentes, seja Aleppo, seja Complexo do Alemão, o eu-lírico a tudo observa e descrê de que está sobrevivendo.
Era manhã mas era noite, porque o clima era denso
Nos parques havia restos, árvore com um homem suspenso”
Em verdade vos digo: a cada verso, ele se esvai um pouco. Como se a tinta fosse seu próprio sangue. E é bem capaz de que seja.
A pena do corvo, o sangue da escrita… mas sem pieguices. Aqui o panorama cinzento destrói qualquer tentativa de emocionalismo barato. A lágrima é cortante, o verso é uma facada no desavisado que pensa encontrar um livro de pantomimas coloridas, de entretenimento fácil…
Ou um roteiro hollywoodiano.
Da pele, o rasgo que fere
A 7 palmos nada mais importa
Senão a vida perdida que chama
Senão a carne que é morta”
É um livro de carne, de sangue e fel.
Desaba, já sem dor e sem vida, naquele segundo findou sua estrada
O riso que antes se ouvia agora se convertia em mero descaso
Azar de tal vagabundo, perdido e imundo, vestido de trapos
Agora o homem queimado, sem futuro ou passado, ou história possível
Voltava ao seu posto de resto, de nada com nada, um homem invisível”
O eu-lírico ataca a memória do leitor, acuando nossas indiferenças diárias, nossa desmemória confortável, nosso conformismo execrável. Nossa condenação é dada pelos mortos que desprezamos a cada passo que damos para longe dos invisíveis. Os fantasmas nos agarram pelos pés.
Na guerra da vida
Sobrevivem os fortes
Não é o meu caso
Quis o acaso que eu caísse no chão”
E se a cada quarenta minutos uma mulher é espancada…
Abusa da minha anatomia, decepa minha autonomia
Me aprisiona em tua vontade, me mata só por vaidade
Virei estatística”
No poema, construído no imperativo, o eu-lírico realmente pede. A angústia da primeira pessoa do singular vinculada ao imperativo afirmativo é a ironia alarmante da maneira como a sociedade vê a morte das mulheres. Segundo muitos, elas pedem. Então o poema repete, um eu que pede, um eu que ordena, através da linguagem, seu próprio extermínio.
Daí o absurdo. Quem ordenaria a própria condenação à morte?
A cegueira é coletiva
Sorte sua em estar viva”
Sorte não. Sina.
Pensa na escuridão e no grande frio
Que reinam nesse vale, onde soam lamentos.”
Brecht, Ópera dos três vinténs
Pois bem, Maya pensou, sentiu e ouviu os lamentos, por isso pergunto: quem vai encarar a própria caveira nessa Danse Macabre, repetindo seu Memento Mori, ao folhear Poemas para ler no front?
Quem vai abraçar Kim Phuc, Maria da Penha, Marcos Vinícius da Silva, Marielle, Lula?
Quem?
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Poemas para ler no front
Maya Falks

Patuá: São Paulo, 2019
112 páginas
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Maya Falks nasceu Márcia, no dia mais frio de 1982 (no caso hoje, há 37 anos). Começou a criar histórias aos 3 anos, ditando as narrativas à mãe. Escreveu seu primeiro romance aos 7 anos, o segundo aos 10 e a primeira antologia poética aos 14, nenhum deles publicados. Atualmente Maya é publicitária, jornalista e autora dos livros "Depois de Tudo", "Versos e Outras Insanidades", "Histórias de Minha Morte" e "Poemas para ler no front".



~Mariana Belize
Olho de Belize

domingo, 28 de julho de 2019

Manuella dos pés pequenos

Manuella me procurou. Já não vive no Brasil, mas carrega pedaços dessa pátria massacrada no peito. Para minha sorte, como curadora deste projeto, escolheu o Bibliofilia para mostrar um tanto de seu trabalho.

Veio o livro todo. Divulgação avulsa ou resenha?
Concordamos em divulgação. Me parece que os não publicados andam um pouco envergonhados em mostrar a que vieram; já a pilha de livros pra resenhar - graças a Deus - só cresce.

Só digo de antemão que quero um dia o livro impresso pra rabiscar. Porque sim, porque descobri o prazer de tornar meu o livro alheio.

Por hora, deixo aqui a degustação.
Babemos por mais, porque quando o aperitivo apetece, a fome aumenta.

Conheçam Manuella Bezerra de Melo:

Faço questão que não chores sob meu pó
quando me for descansarei de ti não posso
esperar sua ida se estou a ser envenenada
como alface velha verduraria classe média
alta onde você flutua com seus tacos de madeira
em minha marcha cóvica não cabe sua tristeza
porque parou meu coração pra não ter mais
que ouvir você querendo que não fosse eu
querendo outra roupa cabelo voz andar diálogos
parei meus batimentos serpenteada do corticoide
que bebi pra acalmar um pulmão ofegante
que nunca alcançou tua expectativa de beleza
de modos de limpeza de sacramentos e sacerdócio
pleno caso de escravo que escraviza até desfalecer
permanentemente o coração que esperou amor
e pulsou a ultima vez ansioso por saber se afinal
elegera bem e adequadamente a aparência da
hora de nosso provisório adeus até o dia que
nos encontraremos como uma Soraia e Cláudia
qualquer a tentar a cura espiritual dessa patologia
que você chamou de amor

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Não passei fome e me compadeço
em meu privilégio não cortei cana
menina nem andei quilômetros a
pata ou boleia até a escola
Não sou tão rasa que não
se possa tirar proveito nem
tão sabida que se oriente imitar
falta-me chão de pedra e doem
demasiadamente pouco
os calos nos caminhos sob o
rubro céu que vivo; mas
sinto o peso abrupto de quem
vejo não eleito escolho sua trilha
arrasto consigo sua caçamba
Apunho da menina esse facão
e dele extraio pra ela seu trabalho
e sua doçura; não há poesia
sem dividir este peso

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Vomitar nesse papel não vai extrair do
meu estômago a acidez do vinho
pisoteado de madrugada mas para alcançar
as metáforas do Chico refestelei-me
na saliva de teus cônjuges e descobri que
lá não mora mais o amor de ninguém

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Esses e muitos outros poemas estão no livro "Pés Pequenos para tanto corpo", Editora Ututau, 2019.
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Nascida no Recife, Manuella é jornalista, escritora e investigadora. Trabalhou como repórter, produtora, redatora, foi de ativista à dona de cafeteria, mas largou tudo porque faz mais sentido largar que segurar. A única coisa que leva na sacola é o Rio Capibaribe. Escreve nas horas vagas e quando atenção permite espasmos, poemas, crônicas e contos infantis. Viveu no Brasil, na Argentina virou aldeã, hoje está em Portugal. Morou em Braga, atualmente reside em Guimarães, amanhã é outro dia. Está na antologia Pedaladas Poéticas (Aquarela Brasileira, 2017), publicou Desanônima (Autografia, 2017) e Existem Sonhos na Rua Amarela (Multifoco, 2018). Dedica-se a um mestrado de Teoria da Literatura e Literaturas Lusófonas da Universidade do Minho (Uminho).


~Maya

sexta-feira, 26 de julho de 2019

Fora de Controle

Natalia e eu somos conterrâneas. Eu já a conhecia daqui ou ali, mas lembro claramente da tarde de sábado no Zarabatana Café, em Caxias do Sul (RS) quando contei a ela que ministraria um painel sobre literatura LGBT e recebi dela um sorriso, um incentivo e o livro "Amora". Tive receio de contar a ela que, com uma autora do gabarito dela, com um livro como "Amora" disponíveis na cidade, a painelista seria eu, uma autora hétero sem nenhuma obra publicada com temática LGBT, mas veio o sorriso, o incentivo e o livro.

Adorei a Natalia de imediato. A simplicidade dela, a forma de lidar com os sonhos das pessoas que ainda não "chegaram lá". E então veio o Jabuti. Não acho justo dizer que me senti representada porque o esforço foi todo dela e a obra tira da invisibilidade um grupo no qual não pertenço. Mas ainda assim, bom, eu me senti representada por mil outros motivo e celebrei a vitória dela com o mesmo entusiasmo que celebro as vitórias de autores como ela: talentosos, apaixonados e que nunca olham os demais com o desdém de quem tá uns bons passos além.

Meu apreço pela Natalia tem mil motivos que não cabem citar aqui, e foi por isso que fiz questão de prestigiar seu lançamento e começar a leitura de "Controle" tão logo fosse possível.



Controle, primeiro romance de Natalia Borges Polesso. Primeiro livro de ficção que eu risquei e marquei.

Maria Fernanda é epilética. De uma infância cheia de apostas, aventuras e bons amigos para uma adolescência de clausura, isolamento, medo, culpa. Nanda não está no controle de seu próprio cérebro e a qualquer momento pode ser traída por ele.

Deus do céu, isso pode ser adaptado para tantas condições que interrompem o que chamamos de "vida normal" de tanta gente... quando finalizei a leitura, falei para Natalia não apenas o quanto AMEI o livro dela, mas o quanto eu tinha vontade escrever essa resenha. E então entendi que isso aqui não tem como ser uma resenha tradicional, e talvez seja mais difícil de escrever sobre esse livro do que foi qualquer outro, considerando que não tem um mês que escrevo resenhas para esse blog.

O motivo? Eu sei exatamente como Maria Fernanda se sentia. Controle na verdade foi meu primeiro contato real com a epilepsia, doença que desconheço para além do que todo mundo sabe, das convulsões e os perigos para a segurança do paciente, mas os sentimentos traduzidos por Natalia em seu romance de estreia poderiam estar nas páginas do meu diário e nos diários de milhares de pessoas ao redor do mundo que sofrem de transtornos de outras naturezas.

Depressão, pânico, bipolaridade, borderline, ansiedade e tantos outros também são limitantes, também tiram de seus portadores o controle total de seu cérebro, e de sua vida. O tema é epilepsia, mas a analogia se encaixa com perfeição até porque Nanda experimenta o sofrimento de uma depressão causada pelas privações impostas pela doença.

"[...] eu me sentia uma bosta, uma inútil, alguém que não era normal", desabafa a personagem na página 51.

Pessoas "diferentes", como a Nanda epilética, como a Maya bipolar, como tantas e tantos deslocados pelo que a sociedade dita como normal entendem o período escolar como uma tortura. Uma fonte constante de depreciação, aniquilação da autoestima, traduzido à perfeição na página 66: "Digo 'as pessoas da escola' e tremo. Não sei se é medo ou nojo ou um cansaço infinito. Mesmo que agora até as crises de ausência tenham diminuído, mesmo que a medicação esteja funcionando bem, mesmo que tudo esteja indo tranquilamente, eu não consigo me desvincular dessas coisas, dessas faltas. Eu disse que não importava, mas importava, sim. Parece que fiquei com um monte de lacunas para completar. E eu não sabia com que completar".

O vazio consome. O vácuo de uma vida que se vê sem propósito para além da dor vai se fechando ao redor e tornando até a respiração mais pesada. Mas Maria Fernanda não quer se entregar, ela só quer uma vida, "Não com uma porra de uma vida cheia de merda. Eu queria ser normal", na página 89. Ao alcançar 30 anos, Nanda dói. Tudo o que não tinha vivido. Tudo ali a estapeia. Tudo arde.

E como arde.

E então a combinação dos remédios estava perfeita. Apática, cita 5 vezes em um único capítulo que aquilo estava bem, mas não se convence. Do inferno à calmaria ausente de si. Não é uma escolha fácil.

Decisões são tomadas, riscos são corridos. Maria Fernanda vivi, mais do que sobrevive. As cenas finais da obra nos colocam no coração de uma mulher de 34 anos que não tinha vivido até ali. Como tantos e tantos que talvez jamais tenham essa chance.

Controle é um livro que tomei para mim. É pessoal. Entrei nele e ele entrou em mim. Difícil manter o distanciamento necessário para uma resenha "profissa", mas lembrei que o blog e meu e todos que acompanham sabem que sou novata na arte da resenha, me dei o direito de tomar todo esse sentimento para mim, falar de Maria Fernanda querendo gritar o tempo todo, SIM, NANDA, EU TE ENTENDO.

Acabei não lembrando de citar Joana, porque toda a relação de Nanda com sua própria mente me pegou de jeito, mas vou deixar essa parte ótima da história para uma conclusão de vocês.

De resto, Natalia já tinha provado a que veio nos contos, agora nos prova que também é uma romancista brilhante. Não pensei nem por um momento que seria diferente.
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Controle
Natalia Borges Polesso

São Paulo: Companhia das Letras, 2019
172 páginas
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Natalia Borges Polesso é doutora em Teoria da Literatura e vencedora do prêmio Jabuti em contos o ano de 2016 pelo livro Amora. Autora de outros livros entre contos e poesias, Natalia estreia do romance com a obra Controle.


~Maya

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Nova geração poética

Bárbara tem 16 anos, me procurou depois de descobrir que o Bibliofilia abre espaço para todos, inclusive para jovens talentos, aqueles que muitas vezes não são ouvidos pela pouca idade, pela pouca experiência ou até por desconhecerem as artimanhas do negócio - não do poema, da parte feia de se escrever.

Receber o material da Bárbara deu um quentinho do coração. Lembrei dos meus primeiros poemas e de quando fui amadurecendo esperando o dia em que me sentirei uma poeta madura. Bárbara é árvore frutífera.

Ela, jovem, tem um bom caminho a trilhar, e está andando em uma direção muito positiva. Conheçam agora alguns poemas de Bárbara Levy!

MEU SORRISO
Meu sorriso é convidativo
Te convido para entrar na minha vida
Não limpe apenas os pés no carpete
Mas limpe também a emoção
Venha de coração aberto e se jogue no meu eu
Veja o que há de melhor em mim
Absorva minhas vivências
Aprenda com minhas experiências
E compreenda meus defeitos
Venha de peito aberto
E será recebido com café e reciprocidade
Mas entenda
Que a porta está aberta para a sua entrada
E escancarada para sua saída
Então, te faço um pedido:
Não pense que eu sou um pano para te limpar
Tão pouco um tapete para pisar
Não me desagrade
Não pense que sabe tudo sobre mim
Me ouça quando eu pedir para parar
Entanda meus momentos introspectivos
Ria comigo
Pois o meu sorriso é convidativo
Mas o meu olhar pode te expulsar
Quero que fique
Mas por favor,
Queira ficar
E então faça por onde.

P.S.: Não me decepcione.    

GRAVIDEZ POÉTICA

"Vida... engravida-me a razão.
Só quem tem contrações no pensamento pode dar luz à um poema." - Autor Desconhecido.

Ah vida, lembro-me de nossas várias gestações não convencionais. 
Em algumas, na mesma noite em que era concebida, era também parida.
Em outras, eram semanas ou meses de preparação para que cada parte de seu corpo poético saísse perfeito, meses de espera, e em alguma noite vazia qualquer, dava a luz.
Por vezes as contrações doíam pois se juntavam ao sangue do coração ferido que se perdia nos labirintos que você, vida, me criava, me dava e me colocava bem no centro.
Por vezes era um parto não doloroso pois se juntava somente com as lágrimas de alegria da inspiração, vinda do sopro do teu destino, vida.
Por outras, doeu até arder e a pele parecer rasgar a cada respiração, chegava a achar que tu iria me abandonar, vida. Eram os momentos que eu usava o álcool para entorpecer, como se estivesse em 1700 e ainda não houvesse a anestesia médica.
De qualquer forma, doendo ou não, necessitada de anestesia ou não, sempre que dava luz à um poema me sentia preenchida de felicidade e orgulho, mesmo que não fosse dos bons, dizem que amor de mãe é infinito até ao mais feio dos filhos.
Ah, vida, que saudade  tenho das gravidezes, das contrações.
Que saudade tenho de dar a luz e sentir-me iluminada, e sentir iluminando a todos que vissem o filho meu, o filho nosso, vida.
Que saudade tenho do sonho de ter todos os nossos filhos lidos pelo mundo, vê-los levando sua luz a quem necessitasse de algo que lembrasse a tua beleza, vida.
Há quanto tempo não me dispo para a vida, há quanto tempo ela não me engravida, há quanto tempo não sinto o frio na barriga de pegar a caneta na mão.
Vida, engravida-me a razão
Faça-me ter contrações de pensamento
Ajude-me a dar a luz à um poema
Ajude-me a levar a nossa luz vívida para os bairros nobres e luminosos da cidade c(l)ara
Ajude-me a levar a sombra que esconde do perigo aos becos e vielas da cidade escura
Ajude-me a levar a felicidade ao doente
Ajude-me a levar o início da cura ao triste
Ajude-me a levar calmaria à mãe
Ajude-me a levar à criança a compreensão de tu, vida
Ajude-me, vida.
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Meu nome é Bárbara Levy, tenho 16 anos, curso o ensino médio, sou paulista, ativista política e muito dedicada ao meu piscianismo. Filha de Yemanjá e sonhadora por natureza, escrevo não só o que vivo, mas o que sonho, escrevo o mundo a partir do meu olhar, é assim desde que aprendi a escrever. Tenho o sonho de um dia publicar um(uns) livro(s) e levar para cada vez mais pessoas essa minha visão de mundo.


~Maya
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segunda-feira, 22 de julho de 2019

A literatura do tudo possível

Eu lembro. Lembro que me inscrevi em um concurso de contos de terror, coisa que nem de longe é minha praia (mas se considerar que trabalho com o que tem de mais podre na vida real, talvez eu me enquadre na categoria "terror"). O causo é que fui selecionada e meu conto foi publicado e citado por um dos mais reconhecidos autores do gênero no Brasil.

No post em que fui citada, um sujeito comentou, elogiando o trecho transcrito. Em seguida me adicionou. Fábio Fernandes se tornou o primeiro autor de ficção científica com quem tive contato na vida. Nos conhecemos ao vivo em meu lançamento em São Paulo e nossa amizade se solidificou. Não muito depois ele lançou "Back in the USSR". Em tempos de insanidade política, achei corajoso lançar um livro em que um olhar menos atento poderia considerar como uma homenagem à extinta União Soviética (URSS). Curiosamente aconteceu no meu insta quando anunciei que estava fazendo a leitura desse livro.

Me apaixonei pela capa. Nunca me atraí muito pelo gênero, mas a capa me conquistou. Curiosa para conhecer o estilo de Fábio, fiz uma troca com ele (ô miséria dessa vida sem renda).

Fábio promete na capa: "Um Thriller Surrealista" e cumpre. Aliás, cumpre DEMAIS.



Minha primeira impressão sobre o livro é que ele tem um estilo de escrita que eu adoro e uso muito: mesclar passagens sérias com toques de sarcasmo que deixam a história mais leve para o leitor, mais agradável e até mais divertida.

O protagonista dessa aventura surrealista é ninguém menos do que um dos homens mais famosos de todos os tempos: John Lennon. Tudo se passar em um passado futurista (eu sei, não faz sentido, mas no livro faz) onde existe o Método Frankeinstein (desculpe Fábio, não achei o "r" de marca registrada), um método de ressuscitação dos mortos. O causo é que no livro, o Método é real e a obra icônica de Mary Shelley é praticamente a visão ficcional da autora sobre como a coisa toda acontece, já que seletíssimas pessoas em todo o mundo têm acesso a tão privilegiada informação.

O mundo construído por Fábio não é nada parecido com o de hoje. Não houve a Segunda Guerra Mundial, mas uma segunda guerra civil americana que transformou a grande potência em um apanhado de pequenos países. Hitler, por exemplo, foi apenas um soldado medíocre (e foi mesmo, antes de se lançar ao poder mediante discurso de ódio, e sim, estou falando de Hitler ainda, e não de outro presidente, a confusão fica a cargo de vocês) cuja existência ainda era discutida, podendo ser ele apenas um coadjuvante de um conto famoso. Ringo jamais fez parte dos Beatles e Yoko Ono era uma cientista que se divorciou de Lennon muito antes de Chapman fazer o serviço sujo para colocar Lennon no centro de uma trama de espionagem.

Resumindo, TUDO MUTCHO LÔKO. Brincadeiras à parte, a criatividade de Fábio é indescritível. De verdade. Não sei como ele mesmo não se perdeu nessa trama cheia de reviravoltas (ou se perdeu e enganou muito bem), a questão é que nada é o que parece ser ou tudo é exatamente o que é. Se Lennon já não sabia mais o que era real e o que não era, o leitor sabe menos ainda.

Peço que por favor, entendam esse parágrafo de cima como um gigante elogio à obra, porque o mérito mais dela é justamente dar um nó na cabeça da gente e ainda assim a gente devorar o livro porque quer saber o que vai acontecer depois. Teve vários trechos que não entendi foi nada, mas saquei sem dificuldade que a ideia era exatamente essa. Lennon também não estava. Hashtag somos todos Lennon.

E mesmo nesse mundo tão esquisito que traz pessoas reais e mostra um pouco do que seria o mundo concreto se algumas coisas tivessem sido diferentes, ainda há espaço para muito questionamento ético e social. Confesso que me faltam palavras para explicar decentemente a importância da crítica que Fábio cria ao falar do uso do Método na guerra, criando, literalmente, um exército de zumbis, pessoas cujo corpo morto foi trazido de volta à vida totalmente mecânica, sem cérebro, dotados da única capacidade de matar.

E tudo isso com aquela linguagem que citei no começo, e que me é particularmente querida. Adoro um sarcasmo bem feito. E isso não falta no livro.

Trocando em miúdos, não digo que me surpreendi com o livro porque já imaginava que vinha algo algo bom do Fábio, o que me surpreendeu foi eu ter gostado tanto de um livro de um gênero que nunca apreciei de fato, e mais ainda de ter sido sugada dessa forma por uma história que eu não entendi nem metade. É mais ou menos aquela coisa: nem tudo foi feito para ser entendido. O livro é uma experiência. Me senti Lennon, confusa, perdida e sem saber em quem confiar. Às vezes se sentir o protagonista do livro é mais importante do que ter todas as respostas.
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Back in the USSR
Fábio Fernandes

Patuá: São Paulo, 2019
220 páginas
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Fábio Fernandes é carioca, escritor, professor e tradutor. Especialista em ficção científica, tem vasta obra internacional, escrevendo em inglês desde 2009.


~Maya
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sábado, 20 de julho de 2019

Das feridas que curam

Conheci Rafael em São Paulo, quando fui lançar meu último livro. Ele foi a segunda pessoa a chegar na Patuscada depois de mim. Me cumprimentou pelo nome. Me senti mal por isso porque eu não fazia a mais vaga ideia de quem era ele, e ele sabia meu nome.

Passado o desconforto inicial, conversamos. Eu, ele e várias pessoas que começavam a chegar. Sobre cotidiano, sobre banalidades. Até ali eu não sabia que Rafael era escritor. Ao longo do evento, não interagimos. Fui voltar a falar com ele no final, quando ele gentilmente me ofereceu hospedagem na casa dele para eu não ir direto pro aeroporto e ficar lá por... 13 horas, como o fiz.

Com o tempo, ele me apresentou o "Amor, Beligerância", um libreto de apena 12 páginas (cabe destacar que nos apropriamos indevidamente do termo "libreto", que na verdade é o termo que designa as publicações que explicam os atos de uma ópera).



O libreto começa com uma explicação de que se tratam de textos curtos. Bom, obviamente uma publicação de 12 páginas não contempla um texto longo, mas, apesar de não ter a cara de pau de contrariar o autor, diria que se não tivesse lido a apresentação, julgaria se tratar de um texto único.

Romântico.

Há tempos não lia nada romântico. Acho que ando revoltada demais.

Um libreto romântico sobre o processo de cura depois de enfim aceitar a perda da pessoa amada. Metaforicamente, o que se compreende é que a relação vinha sendo mantida entre narrador e pessoa amada por medo da perda. Algo muito comum na vida real, inclusive. Aprender a abrir mão não é uma tarefa fácil.

Não foi para o narrador.

Os textos são mini ou micro contos que expressam a ferida, o tempo, o estranhamento da distância e do reencontro. Não há concretude na narrativa, ela se apresenta de uma forma um tanto poética embora breve. São sentimentos jogados por metáforas e palavras-chave que permitem ao leitor completar as lacunas com sua própria história.

Não sou ávida leitora de romances românticos - nada que me impressa de prestigiar o gênero - então foi uma experiência peculiar a leitura desses mini contos sobre o sofrimento pelo fim de um relacionamento ou sobre o reencontro amoroso.

Não conheço as outras obras do autor, não sei como ele lidaria com um romance, por exemplo, mas o projeto do libreto e suas 12 páginas em letras grandes carrega uma proposta interessante: contar uma história em poucas linhas. Na literatura universal sobram exemplos de histórias curtíssimas que se resolviam em si mesmas.

Claro que os textos contidos no libreto tinham espaço para maior desenvolvimento, mas é preciso respeitar a escolha estética do autor. Eles se resolvem em si mesmo, e isso é o bastante.
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Amor, Beligerância
Rafael F. Carvalho

2019
12 páginas
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Rafael F. Carvalho é contista, autor dos livros A Estante Deslocada, A Cor do Sal e Terceiro Livro.


~Maya

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Fortificado seja vosso poema

Casamata:
fortificação baixa, às vezes parcialmente subterrânea e com a parte superior abobadada, onde se instalam metralhadoras, armas anticarro etc., ger. feita de concreto, de aço ou se simples sacos de areia enfileirados.

Essa é a definição de Casamata retirada do dicionário. Mas longe formalidades, o livro Na Casamata de Si, de Pedro Tostes, os impactos são constantes.



Conheci Pedro em minha brevíssima passagem por São Paulo, em fevereiro desse ano, onde lançava meu livro com poesias de guerra. Pedro, um verdadeiro andarilho da literatura, montava sua banquinha com livros, bolsas ecológicas e camisetas. Logo de largada, meu olho se prendeu em uma camiseta com os seguintes dizeres:

- nenhum peito é belo
sem cicatrizes

Aqueles versos me emocionaram de formas que sou incapaz de descrever (minto, sou perfeitamente capaz, mas não quero misturar os assuntos). Não comprei a camiseta, primeiro porque não vi entre elas uma tamanho XXXXXGGGGGG3456 como seria necessário para o meu tamanho, mas também porque naquela noite o cofrinho não permitia.

De qualquer forma, as palavras ficaram guardadas. Levei meses para adicionar Pedro no Facebook, quando o fiz, imediatamente nos tornamos ótimos amigos, trocamos muitas ideias e, nessas, Pedro me enviou seu livro "Na Casamata de Si".

A imagem de capa, do soldado sentado em uma privada, me deu uma insegurança generalizada. Minha mãe ainda comentou "olha só, é um livro de guerra". Não que eu esperasse ser a primeira poeta a falar de guerra, longe de mim tal pretensão, mas de repente eu teria entre as primeiras resenhas da minha vida um livro com temática igual ao meu próprio livro.

Bom, não foi isso que aconteceu.
Falamos ambos de coisas desprezíveis, mas de foras tão diversas que eu diria que uma leitura dos dois livros em conjunto seria riquíssima.

Na Casamata de Si é o Pedro em forma de livro de poesias. Tem doçura, gentileza, ironia, graça e revolta. Muita revolta. A dosagem dos elementos é cirúrgica, inclusive na decisão de Pedro em dividir o livro em duas partes, sendo a segunda mais encaixada na temática de guerra, mas não necessariamente a guerra como estamos acostumados a conceber. Nem por isso menos guerra.

A frase citada no começo do post é do poema Estanca, e juro que gritei quando vi a os versos ali expostos. Primeira vez na vida que rabisquei um livro à caneta, mas precisei destacar o trecho, mostrar que é meu, que me adonei das palavras de Pedro e que, mesmo que eu sempre vá respeitar sua autoria, esses versos pertencem à minha alma, e tenho dito.

Mais adiante fui marcado como pude minhas favoritas - e se tivesse marcado todas, o livro estaria inteiro com dobras - destacando poemas como Preciso, Bestiário do Apocalipse e o genial Brazilian Dream, que brinca com o clássico Vou-me Embora pra Pasárgada, de Manuel Bandeira.

Mas no meio do caminho tinha Parabéns aos Envolvidos.
Esse poema não me deu o direito de cita-lo ou nem mesmo de transcrevê-lo. Ele merece mais, e, por isso, pela primeira vez nesse blog, eu o declamo.


Precisei, senti necessidade de declamar porque não acho que transcrever daria o tamanho da força com que fui atingida por esses versos.

Na Casamata de Si não me surpreendeu porque já imaginava que Pedro Tostes tinha qualidade, mas me deixou feliz ver a confirmação disso em uma publicação tão bonita. O livro é bonito. O livro é lindo. O livro é forte.

Não esquecerei dele tão cedo.
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Na Casamata de Si
Pedro Tostes

Patuá: São Paulo, 2018
88 páginas
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Pedro Tostes é poeta reincidente e insistente. Graduado Nos Rolês e PhD em Pilantropia Cultural, já tem um vasto histórico de cometimento de poesias com outras publicações subversivas, além de não estar realmente muito preocupado com flashes nem em virar subcelebridade virtual.

~Maya
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quarta-feira, 17 de julho de 2019

Singelezas

Quando anuncio que o Bibliofilia Cotidiana é um espaço para todos, não estou brincando. Tem muita gente por aí que não tem pretensões artísticas, não pretende lançar livros ou ser reconhecida como escritora - é sempre bom lembrar que escrever é uma excelente terapia.

A Fernanda é dessas. Claro que nada descarta um desejo futuro de fazer carreira na literatura, mas por enquanto, Fernanda escreve por gosto, por vontade pura e simples de escrever. É importante ressaltar o quanto a literatura pode ser uma válvula de escape importante para quem lida com um dia a dia pesado, conturbado - e atualmente acho que todo mundo vive essa realidade.

Fernanda é advogada. Não simplesmente uma advogada, mas uma advogada feminista que lida com direitos humanos, e vive, como todos nós, em uma época perigosa para quem defende essas causas.

Ela enviou uma crônica para publicação nesse espaço. Não é uma crônica de quem vive de literatura, é uma crônica de quem encontrou na literatura uma voz para se expressar para além de sua rotina. Isso vale muito em um espaço que valoriza o poder da literatura em dias sombrios.

O que mais gosto na crônica de Fernanda é justamente a despretensão e a singeleza. É suave, é meiga, é um escape para Fernanda e para todos que a lerem, porque ela não visa uma revolta, uma denúncia, ela visa simplesmente uns minutinhos de paz.

Pé de Pano.
Uma amiga, há 23 anos, ainda em São Paulo, foi surpreendida com uma ninhada de gatinhos em sua porta. Deu abrigo e procurou por possíveis lares. Pedi para ficar com uma gatinha. Depois da mamadeira, a gatinha chegou. Com ela veio um irmãozinho que ainda não tinha onde ficar e ia passar um tempo conosco até encontrar um "onde ir" carinhoso. Ele, o gatinho, chegou em casa e logo arrumou um nome: Pé de Pano. Com a gatinha o negócio do nome empacou. Ela ia ficar e na vizinhança a gataiada tinha nome de respeito. Karl Marx, Cleópatra, Freud, Che (esse era de uma simpatia) Tinha até um Michel Foucault! E um Mao! Minha gata precisava de um nome forte, para se impor frente a tantos. Os dias foram se passando e nada de um nome. Enquanto isso o Pé de Pano, como que sabendo que iria embora, foi chegando, se aconchegando, se fazendo presente e amado. Claro que ele não se foi, assim como o nome, ficou. E a até então tímida Beatriz, ganhou o nome da eterna procura de Dante na Divina Comédia. Nome lindo. Pois bem, sempre que me perguntam o nome dos meus gatos, sempre, querem saber o porquê de "Pé de Pano". Até ontem. Ontem recebi a visita da Julinha, 5 anos, Quando perguntou o nome do gato e eu respondi: Pé de Pano, ela fez uma carinha de sabida e me perguntou: - Pé de Pano? Igual ao cavalo do Pica-Pau? Ufa! Aê Pé de Pano, encontramos alguém que fala e entende a nossa língua. Definitivamente, precisamos conversar mais com a Julinha. 

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Fernanda Vargues Martins é feminista, advogada, leitora voraz que arrisca a escrever.




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Finaleira

Esse é o último post desse blog. CALMA, NÃO PRECISA DESMAIAR! Não, o Bibliofilia não acabou! O causo é que no finalzinho de outubro, mais...